Por que conhecer a arte romana?

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Por Marcelo Albuquerque

Ao estudarmos a antiguidade com mais profundidade, somos tomados por um sentimento descrito por diversos filósofos e poetas como algo perto do espanto, do sublime, da consciência de nossa mortalidade, de nossa impotência diante das forças naturais, do tempo e das forças devastadoras das guerras. Ao mesmo tempo nos sentimos admirados com toda a potência humana em criar, em insistir na civilização, em produzir e transmitir conhecimento. Da mesma forma, como nos ensina Roger Scruton, podemos adquirir uma consciência de que coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente construídas. O bom trabalho da criação e da erudição é árduo, lento e maçante. A frivolidade e a destruição são rápidas e eficazes.

Entender em profundidade o passado não significa reproduzi-lo nos dias de hoje, o que o tornaria anacrônico e kitsch. O fundamental é compreender a importância da tradição e ser criativo com ela nos campos das artes, na arquitetura e no patrimônio em geral. Edmund Burke justifica a importância dessa posição, no seu célebre comentário, onde via a sociedade como uma associação entre os mortos, os vivos e os que estavam para nascer. Isso nos remete a o que é uma cidade propriamente, especialmente as mais antigas, nas relações entre seus sítios arqueológicos, edifícios históricos e conturbadas ocupações contemporâneas. O vínculo entre os que já foram, os que aqui estão e os que ainda virão não era um contrato ao estilo de Rousseau, mas algo parecido com o amor, comenta Scruton. A sociedade é uma herança compartilhada onde podemos compreender nosso lugar numa corrente contínua de doações e recebimentos herdados. Essas relações partem de baixo para cima, a partir de instituições como a família, as instituições religiosas, os clubes sociais, as escolas, as equipes esportivas, as empresas de trabalho, etc. Reconhecer tais coisas que herdados implica em não as destruir em decorrência de pseudofilosofias niilistas ou por decorrência de simples preguiça intelectual.

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Mirante do Altar da Paz, vista para o Fórum, Palatino e Coliseu. Visita à Itália e França em 2019.

Nosso tecido urbano está impregnado de tradições, basta observar nossos edifícios e equipamentos urbanos. Nossas universidades, hospitais, asilos, orfanatos, escolas, bibliotecas, são frutos das tradições clássicas e medievais. Basta dizer “Idade das Trevas” que todos se lembram da Idade Média, porém mais luzes foram acesas do que trevas foram lançadas nesse período tão heterogêneo. Mas não cabe aqui discursar sobre o assunto. Desconhecer as tradições priva as gerações futuras de inúmeros benefícios nos campos culturais e tecnológicos, entre tantos outros, além de não beneficiar os profissionais das artes, arquitetura e patrimônio cultural.

Ao se falar de patrimônio e tradições, falamos também de questões perenes, daquelas que mereceram ser preservadas ao longo de séculos, não porque foram impostas, mas porque foram bem sucedidas pela experiência direta em sua grande maioria. A cultura romana é aquela que possui o maior grau de unidade cultural no Ocidente, ou seja, é aquela que mantem mais elementos culturais perenes e estáveis em praticamente todos os países ocidentais. Esses elementos foram amalgamados no fim da antiguidade clássica na junção daquilo que, por convenção, se denomina os pilares da civilização ocidental medieval e moderna: a filosofia grega, o direito romano e a moral judaico-cristã.

Governos centralizadores, de cima para baixo, como aqueles vistos nas grandes ditaduras dos séculos XX e que ainda se estendem pelo século XXI, impuseram normas e condutas à população, impondo, por exemplo, o ateísmo à força a vastíssimos povos que, por centenas de anos, praticavam suas respectivas religiões e tradições. Em um determinado momento isso deve se romper, pois uma nova revolução tende a se formar para buscar uma equalização de forças e desejos, sem antes gerar imensos conflitos e perdas incalculáveis de vidas e de riquezas culturais. A própria concepção moderna de patrimônio histórico que surgiu com a Revolução Francesa e no Período do Terror põe em evidência o assunto e nos alerta para a fragilidade que enfrentamos no nosso cotidiano.

A arte clássica romana nos ensina tanto valores arquitetônicos sofisticados eruditos quanto propagandísticos imperiais vulgares que participam do imaginário ocidental, de uma forma atual e contemporânea. As teorias das ordens clássicas (Vitrúvio, Alberti, Serlio, Vignola), advindas da arquitetura, possuem uma validade universal atemporal de beleza arquitetônica, e não são modismos ou acidentes localizados em um período no tempo. Os romanos definiam pietas como a virtude de cumprir o dever com o nosso país e com os nossos pais, onde devemos sempre tentar elevar a honra por meio de ações nobres e dignas, cumprir contratos e honrar promessas, além de demonstrar um sentimento de gratidão natural por aquilo que nos foi dado e transmitido, e que a nós nos foi confiado para que transmitamos às futuras gerações. Um edifício, nesse caso, pode se tornar símbolo visível de uma continuidade histórica, um marco, como o Panteão em Roma, ou a catedral de Chartres, na França, ou o Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte.

A teoria clássica se vincula à harmonia, aos objetivos vitruvianos em utilitas, firmitas e venustas (utilidade, solidez e beleza). Os renascentistas dão continuidade para demais combinações harmoniosas e proporcionadas das partes, e mesmo as correntes anticlássicas maneiristas e barrocas carregam em si os elementos da linguagem clássica, renovando-as. Alberti e os tratadistas reafirmam que as ordens clássicas organizam as partes em relação ao todo, justificando a harmonia e a beleza nos respectivos padrões de proporção e ornamentação.

A Beleza clássica sobrevive mesmo após os questionamentos do Iluminismo, do Romantismo e dos relativismos da modernidade. Ela nos remete à tríade platônica do Bom, Belo e Verdadeiro; a Beleza como uma disciplina filosófica ancorada na razão, nos sentidos e na metafísica. É necessário diferenciar a Beleza da beleza, uma de natureza filosófica clássica e outra como adjetivo, cosmética, sedutora, que se oporia à primeira em certo sentido. Nesse sentido pretendo levar a arte romana para o caminho da Beleza no termo clássico, de forma a observar sua magnitude, sua imponência e sensação de espanto diante de tamanha grandiosidade, na busca do sentido da sublimidade que os pintores e poetas românticos sentiam ou pretendiam ao retratarem as ruínas romanas dos séculos XVIII e XIX, assim como os caprichos e paisagens imaginárias dos séculos anteriores.

A beleza romana aspira à imortalidade. Reconhecemos essa mentalidade na Idade Média e principalmente no Renascimento, com Brunelleschi, Alberti e Michelangelo. De Winckelmann, em referência aos clássicos gregos, nos recordamos da “calma grandeza e nobre simplicidade”. A arte romana reverencia os gregos, porém aponta para uma exuberante monumentalidade jamais concebida, exalta a arte triunfante de um império conquistador jamais visto na história. Scruton nos coloca uma posição interessante: edifícios belos trocam de uso com o tempo e são preservados. Edifícios apenas funcionais são demolidos quando não exercem mais suas funções. A função, assim, pode ser absorvida pela beleza.

Portanto, estudar as artes é compreender o exercício no tempo, o objetivo de uma vida intelectual que investe nos estudos e viagens regionais, nacionais e internacionais, dentro de cada realidade e condição financeira, mas gentilmente facilitada pelas tecnologias digitais de informação que temos nos dias de hoje. Vamos perceber a perenidade da arte clássica na Idade Média, no Renascimento, no Barroco e nas artes brasileiras. Vamos reconhecer as influências na arte e na arquitetura contemporânea e compreender que sem esses fundamentos nossa formação é incompleta: é um edifício sem nenhum alicerce.

Fórum de Trajano

Por Marcelo Albuquerque

O Fórum de Trajano é o último dos fóruns imperiais. Foi erguido com os despojos de guerra da conquista da Dácia (106 d.C.). Nele, encontram-se as ruínas da imensa basílica Ulpia e os mercados de Trajano, na encosta escavada na colina do Quirinal. Dentro dele, é possível caminhar por ruas romanas com calçamentos originais e estudar de perto as tecnologias de construção em concreto pozolana, arcadas, abóbadas e alvenaria. O projeto do fórum é atribuído ao arquiteto Apolodoro de Damasco, que acompanhou o imperador Trajano nas campanhas na Dácia. Além da basílica, destaca-se a icônica Coluna de Trajano e as ruínas das duas bibliotecas que ladeavam a coluna, consideradas uma das mais importantes da Antiguidade. Atualmente pode-se ver algumas de suas colunas de mármore originais dentro da Basílica de São Pedro no Vaticano.

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Fórum de Trajano. Vista para os Mercados de Trajano ao entardecer. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Fórum de Trajano. Colunas da Basílica Ulpia. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Basílica Úlpia. Desenho de Julien guadet, 1867. Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://it.wikipedia.org/wiki/File:Basilica_Ulpia_J_Guadet_1867.jpg. Acesso em: 23 jan. 2018.

As duas bibliotecas estavam dispostas simetricamente envolvendo a Coluna de Trajano, revestidas com materiais nobres como granitos cinzentos e mármores amarelos. A majestosa coluna é o único elemento quase intacto de todo o complexo, sendo ela um monumento funerário que celebra as conquistas militares de Trajano sobre a Dácia. Nos frisos da coluna, vê-se uma surpreendente narrativa como um grande rolo de papiro egípcio (que nos remete à concepção dos Livros dos Mortos), apresentando o imperados e seu exército subjugando seus adversários e aspectos técnicos e geográficos.

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Fórum de Trajano. Coluna de Trajano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Fórum de Trajano. Detalhe de friso da Coluna de Trajano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Atualmente, o Mercado de Trajano funciona com museu e galeria de arte e exposições, com um arrojado projeto arquitetônico que celebra a interface entre a estrutura metálica, o vidro e as estruturas originais.

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Fórum de Trajano. Integração das estruturas de concreto antigas com vidro e estruturas metálicas. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Fórum de Trajano. Ruas com calçamentos da época imperial. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Fórum de Trajano. Vista interna da exedra. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Fórum de Trajano. Vista interna. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Panteão de Roma

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Por Marcelo Albuquerque

Adriano, cujo governo se estendeu de 117 a 138, pode ser considerado um dos maiores construtores dentre os imperadores. Supõe-se que o próprio tenha projetado o Panteão, construído entre 118 a 128, ou por Apolodoro de Damasco. Construído por Adriano, no lugar de outro templo construído pelo cônsul Marco Agripa, o Panteão é o edifício romano mais bem preservado tanto na estrutura quanto nos revestimentos e ornamentos. Isso se explica em parte por ter sido usado como basílica católica pelo Papa Bonifácio em 609, sob o nome de Santa Maria e Mártires, ajudando consideravelmente na manutenção do edifício, evitando sua descaracterização. Entretanto, muitos elementos originais se perderam, como as antigas esculturas e elementos de bronze do pórtico. No entablamento, abaixo do frontão, lê-se a inscrição M·AGRIPPA·L·F·COS·TERTIVM·FECIT, que significa Marco Agripa, filho de Lúcio, construiu durante o seu terceiro consulado. Seus interiores apresentam o uso do concreto decorado, com revestimentos e ornamentação em mármores coloridos nobres, substituindo o uso de afrescos e mosaicos de estilos de pintura anteriores. O Panteão acolhe, no seu interior, a forma de uma esfera perfeita de aproximadamente 43 metros de diâmetro, do piso ao óculo.

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Panteão de Roma e a Piazza della Rotonda, com o obelisco egípcio Maculeo. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Inscrição M·AGRIPPA·L·F·COS·TERTIVM·FECIT, no pórtico do Panteão. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

O nome Panteão é derivado do grego antigo Pantheion, comum a todos os deuses. Entretanto, não se sabe ao certo quais eram as divindades ou personalidades cultuadas no Panteão nos tempos antigos, sendo provável o culto aos deuses planetas, como Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Como veremos mais adiante, é um dos edifícios mais influentes da história, sendo imitado, reproduzido e homenageado em diversas épocas, do Renascimento aos tempos modernos, como na arquitetura maneirista de Palladio e na igreja de Sainte-Geneviève, em Paris, desconsagrada e transformada em monumento secular, durante a Revolução Francesa, sendo rebatizada de Panteão de Paris. O termo panteão tem sido aplicado a outros prédios onde os mortos ilustres são honrados ou enterrados, como ocorre em Ouro Preto, no Museu da Inconfidência, local dos restos mortais de alguns inconfidentes mineiros.

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Interior do Panteão de Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Castrum

Por Marcelo Albuquerque

castrum foi o acampamento, estável ou provisório, de uma unidade do exército romano, como uma legião, em terras distantes. Possuía a forma retangular com muralhas ou palhiçadas com um fosso cavado pelos experientes engenheiros e soldados romanos. O termo castrum pode ser aplicado para obras civis com fins de proteção e para fins militares, em relação aos acampamentos. Conhecidos pelas suas atitudes práticas, os romanos variavam pouco as formas de construção, assegurando um padrão e agilidade em qualquer parte do território. Encontrado o local adequado para estabelecer o castrum, eram erguidas as tendas dos comandantes e tribunos, seguidos dos acampamentos das legiões. Entre as cidades fundadas a partir de um castrum encontram-se Bologna, Brescia, Como, Florença, Turim e Vicenza.

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Porta Negra em Tréveris (Trier). Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%A9veris. Acesso em: 12 set. 2016.

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Modelo da fortaleza legionária de Deva na Grã-Bretanha. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://it.wikipedia.org/wiki/Castrum. Acesso em: 12 set. 2016.

Entre as ruas internas de um castrum, estavam as duas mais importantes: a Cardo Maximus e a Decumanus Maximus, que se cruzam no pretório (pertencente ao comandante), conectada aos quatro portões do acampamento.  São consideradas também contribuições etruscas na engenharia urbana romana (ver A cidade Etrusca). Havia a possibilidade do cardo maximus e decumanus maximus não se encontrarem no centro da cidade, mas em uma posição mais lateral, como em Pompeia e Turim.

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Roma: cidades e fundamentos urbanos

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Por Marcelo Albuquerque

Aqui pretendo traçar linhas gerais sobre a concepção de uma cidade romana criada praticamente do zero, a partir de assentamentos militares e com fins coloniais. A cidade de Roma não se enquadraria nesse contexto, por ter se formado em um período distante e com circunstâncias diferentes, como apresentado em Origens Míticas e Históricas. O desenho urbano[1] romano ainda se apresenta em muitas cidades europeias e do Mediterrâneo, como no norte da África e no Oriente Médio, preservando os desenhos originais e centros mais antigos. Como aponta Mumford, em A cidade na história, os romanos, segundo Varrão, realizavam ritos etruscos ao fundar novas cidades. Não começavam simplesmente com um augúrio, mas também com a demarcação dos contornos da cidade por um sacerdote que guiava a charrua. Dessa prática surgiu o pomerium, um cinturão sagrado dentro e fora da muralha, onde nenhum edifício podia ser edificado, representando os limites sagrados[2] (ver Palatino).

Os romanos privilegiavam uma cidade planejada ortogonalmente conectada pelas estradas pavimentadas, abastecida por aquedutos e rede de esgotos[3]. O planejamento seguia as tradições etruscas e gregas, especialmente as das cidades helenísticas. A cidade helenística, como aponta Mumford (1998), é equipada com sistema sanitário, possui ordenação geométrica e tende a uma estética unificada. A impressão estética é enaltecida com a adoção de longos eixos em perspectiva e monumentalidade. Hipódamo de Mileto (498-408 a.C.) foi um teórico da cidade grega, representante da antiga Escola Jônia. Hipódamo foi o introdutor de uma planificação apoiada em ruas largas que se cruzavam em ângulos retos, como um tabuleiro de xadrez. Já o traçado em tabuleiro das cidades planejadas era uma tradição da Jônia, desde o sec. VII, aplicado às colônias gregas que se espalhavam pelo mundo mediterrâneo e outras regiões interioranas. O desenho reticulado designava áreas distintas adequadas ao modo de vida e divisão de classes gregas, estabelecendo as áreas comerciais, residenciais e as ágoras planejadas. Foi o primeiro arquiteto grego conhecido a conceber um planejamento urbano e a estrutura de uma cidade a partir de um ponto de vista que privilegiava a funcionalidade.

As novas cidades eram planejadas como novas colônias, carecendo de fortificação e um bom sistema de defesa. As cidades, exceto Roma, possuem seu espaço dividido em quadrângulos regulares, baseados nos acampamentos militares chamados castrum (ver Castrum), cujo centro era denominado fórum. Dessa forma, o castrum era dividido em quatro partes, chamados distritos. Algumas cidades possuíam áreas sagradas elevadas, as acrópoles, segundo tradições itálicas e helenísticas. O esquema mais organizado era o baseado em dois eixos principais: o cardo maximus (norte-sul) e o decumanus maximus (leste-oeste), cuja interseção se encontravam os fóruns. Entretanto, algumas cidades, como Pompeia, possuíam dois ou mais fóruns secundários. A forma da cidade geralmente correspondia a um quadrado, mas poderia ser em um polígono desigual, como a cidade de Silchester na Grã-Bretanha[4]. Nos fóruns, como foi visto anteriormente, eram realizadas as principais reuniões políticas, legislativas, judiciais, comerciais e religiosas (ver Fórum Romano).

Mumford, em A cidade na história, aponta algumas características das cidades romanas. Hígeno, arquiteto romano, considerava o tamanho ideal de uma cidade romana planejada em 730 por 490 m., como Turim e Aosta, principalmente devido às estratégias de defesa e fortificação[5]. As cidades parecem ter sido planejadas para, no máximo, 50.000 habitantes. Podiam haver legislações sobre o tráfego intenso de carroças, com leis que proibiam o trânsito de dia, conforme decreto de Júlio César, banindo o tráfego de rodas durante o dia em Roma, causando um problema maior: o tráfego a noite, perturbando o sono dos cidadãos romanos. Sobre as cidades romanas, o autor comenta:

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Lucca romana. Adaptado do Google Earth. Marcelo Albuquerque, 2017.

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Teatro romano

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Por Marcelo Albuquerque

O teatro grego, como estrutura arquitetônica, continua sendo popular na atualidade, estando presente em diversos projetos atuais, de parques a edifícios públicos. O surgimento do teatro grego é atribuído aos ritos de fertilidade e aos cultos a Dionísio, quando o pátio circular da debulha passou a ser o palco das encenações. Os primeiros festivais eram de origem religiosa, onde os sacerdotes ocupavam a primeira fila da orquestra. As peças abordavam temas humanísticos dentro de uma concepção de uma nova ordem social e urbana grega, como o destino, as fatalidades, as injustiças e a justiça, as oportunidades, as desgraças e o livre arbítrio, culminando nas grandes obras de Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, Aristófanes e Menandro. Téspis de Ática introduziu o primeiro ator em Icria no século VI a.C. No século V a.C. haviam mais de 1200 peças teatrais. O Teatro de Herodes Ático, bem próximo à Acrópole, recebeu interferências modernas e é utilizado até hoje, assim como outros, em menor escala.

Os teatros romanos se popularizaram nos tempos da república, em palcos de madeira provisórios e armados a céu aberto. Pompeu foi o primeiro a construir um teatro de pedra em 55 a.C., sendo que o teatro levou seu nome (Teatro de Pompeu). Anteriormente, os teatros tinham como característica sua efemeridade, pois podiam ser desmontados e montados em outro sítio. Pompeu constrói o primeiro e maior teatro definitivo no Campo de Marte, em Roma. O complexo abrigava jardins e templos, e parte das ruínas são vistas no Largo di Torre Argentina. Foi o local do assassinato de Júlio César, nos Idos de Março, em 44 a.C., junto aos pórticos helenísticos que ali existiam. O auditório do teatro, no avançar dos tempos medievais, serviu como fundação para edificações, que possuem uma forma curva que acompanha o antigo desenho do auditório, na atual Via Grotta Pinta.

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Largo di Torre Argentina. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Os teatros romanos também possuíam seus desenhos baseados nos teatros gregos, com forma de meio-círculo, aproveitando os declives acentuados dos terrenos. Como aponta Giordani, o teatro romano possuía acessórios mais aperfeiçoados que o teatro grego: existia uma cortina de cena, trajes suntuosos e a machina que permitia fazer descer dos céus os deuses e heróis (deus ex machina). Os gêneros populares em Roma eram:

– Mimo: peças cômicas e burlescas da vida cotidiana, as vezes de caráter imoral, com críticas sociais e políticas.

– Pantomina: imitação ao estilo do mimo, onde as fisionomias e os gestos substituíam as palavras.

Voltando à arquitetura, a diferença principal será na introdução das grandes arquibancadas de concreto, elevando-as a dezenas de metros do primeiro pavimento, possibilitando a construção em diversas inclinações de terrenos. Já os anfiteatros, como o Coliseu, possuem a forma circular ou oval, como dois teatros romanos espelhados. Os declives acentuados proporcionavam uma excelente acústica. Os teatros cobertos menores eram chamados odeons. Os elementos de um teatro romano, são, principalmente:

– Orquestra: constitui-se na área semicircular em frente ao cenário, onde o coro cujo centro era erguido um altar a Dionísio nos tempos gregos antigos.

Pulpitum: a plataforma elevada em que os atores atuavam.

Proscenium: onde os atores atuavam, podendo se prolongar para a orquestra.

 – Cenário: composto por monumentais fachadas arquitetônicas, atrás do proscenium, muitas vezes com vários andares de altura.

– Boca de cena: parede do palco em geral adornada com nichos.

Cavea: como arquibancadas, podiam ser concebidas de madeira e de pedra. Como se vê no Coliseu, podiam receber finos revestimentos nas áreas mais nobres galeria semicircular, onde fileiras de assentos para os espectadores. Foi dividido em ima cavea (linhas inferiores, o melhor lugar do teatro), cavea mídia (a parte do meio) e summa cavea (arquibancadas superiores).

Aditus: entradas para as laterais do teatro, a partir da orquestra. Maximus aditus eram duas entradas monumentais que conectavam ambos os lados do teatro para a orquestra.

Vomitoria: acesso abobadado para fluxo de pessoas. O termo  vomitorium também se aplica ao fluxo eficiente de saída dos espectadores em tempo curto.

– Velarium: vela (similar às dos navios) sobre a cavea que a cobria e a descobria, de forma a proteger os espectadores das intempéries (ver Coliseu).

O Teatro de Marcelo foi iniciado por Júlio César e foi terminado por Augusto, sendo concebido em homenagem ao filho de Otávia, Marcelo. Em 20 a.C. Augusto passaria o império para o sobrinho Marcelo, mas este morreu jovem, antes de Augusto. O Teatro de Marcelo influenciou a construção e a estética do Coliseu. Sobre o Coliseu, este será visto com mais detalhes na Dinastia Flaviana. Sua estrutura e acabamento contempla tanto o concreto como o mármore travertino, devido à atenção especial dada à Augusto pelo edifício. Suas colunas externas não têm função estrutural. O primeiro nível é da ordem dórica, o segundo é jônico. O terceiro se perdeu, e provavelmente seria de ordem coríntia. O edifício se localiza em frente ao templo de Apolo Sosiano, na entrada do Gueto Judeu, tradicional bairro romano.

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Teatro de Marcelo, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Anfiteatros

Por Marcelo Albuquerque

O antigo anfiteatro romano de Florença foi construído na década de 120 d.C., fora dos muros da cidade, na direção leste, entre a Piazza dela Signoria e a Piazza di Santa Croce. De forma elíptica, possuía um diâmetro de aproximadamente 126 metros, para aproximadamente 20.000 expectadores. Assim como no anfiteatro de Lucca, o anfiteatro de Florença foi tomado por casas medievais, aproveitando as bases estruturais de concreto e alvenaria, ocupando inclusive a arena, o que não aconteceu em Lucca, onde se preservou a arena, mas como praça (Piazza dell’Anfiteatro). Podemos ver claramente seu formato elíptico em imagens aéreas, delimitando uma espécie de quarteirão, cortado por duas (via dell’Anguillara e via Borgo dei Greci).

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Piazza dell’Anfiteatro, antigo anfiteatro de Lucca. Adaptado do Google Earth, 2017.

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Lucca: Piazza dell’Anfiteatro. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Lucca: Piazza dell’Anfiteatro. Detalhe das arcadas na forma original. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Veja também: Coliseu

Circos

Por Marcelo Albuquerque

Os circos eram os lugares dedicados especialmente às corridas de cavalos, que conduziam bigas e quadrigas, em geral. O nome deriva do latim “círculo”, pois as corridas ocorriam em pistas que possuíam uma curvatura em uma de suas extremidades, sendo a outra reta. A pista era coberta de areia, composta por duas vias retas paralelas, separadas por um alto pódio chamado spina, ligadas por duas curvas acentuadas em 180 graus. Em cada extremidade das curvas, na spina, havia um tipo de coluna chamada “meta” (metae), em torno da qual os corredores teriam que virar. Em geral, a distância entre as metas era de 200 metros, mas podia ser maior nos grandes circos. O circo tinha, na totalidade, a forma de um grande retângulo alongado, sendo que um dos lados mais curtos era arredondado, enquanto o outro era reto. No lado reto haviam as estrebarias, chamadas cárceres, ou seja, os ambientes onde se agrupavam os corredores e os animais antes das largadas. As estruturas dos cárceres eram geralmente monumentais, com torres e salas para diversos usos e fins. Ao redor do perímetro, as arquibancadas se elevavam em grandes estruturas de concreto. O filme Ben-Hur, de 1959, tornou-se célebre por suas imagens icônicas da emocionante e fictícia corrida de quadrigas no circo de Jerusalém.

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Cena de Ben-Hur.  Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/Ben-Hur_(pel%C3%ADcula_de_1959). Acesso em: 12 fev. 2017.

Os circos se localizavam próximos aos palácios, nas áreas mais centrais, para que os governantes e sua corte pudessem acessá-lo com conforto e segurança. Os mais famosos circos estavam em Roma, sendo o maior o Circus Massimus, entre o Palatino e o Aventino. Este circo foi utilizado para os jogos e para aclamação do imperador, onde eram realizadas celebrações, festas e execuções públicas.

Circus Massimus é profundamente atrelado à história e aos mitos de Roma, lembrado como o local do lendário Rapto das Sabinas, nos tempos de Rômulo. No passado longínquo era o local das atividades comerciais devido à sua posição estratégica junto ao Tibre, favorecido por sua topografia.  Possuía cerca de 600 metros de comprimento e 200 de largura, sendo a maior estrutura para espetáculos já realizada na história. Nos tempos de César atingiu os 150.000 espectadores, e na época dos Flávios teria atingido os 250.000 espectadores. O rei etrusco Tarquínio Prisco, no século VI a.C., iniciou as construções das estruturas em madeira, sendo gradualmente substituída pelas instalações de alvenaria de pedras a partir do século IV a.C., quando se ergueram os cárceres voltados para a margem do Tibre. Tarquínio Prisco, como recorda Giordani, edificou o circo de Roma e instituiu os jogos romanos (circum Romae aedificavit; ludus Romanos instituit)[1]. Júlio César, em meados do século I a.C, deu a forma final ao circo com alvenarias diversas e concreto romano.

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Modelo do Circus Massimus, Roma.  Fonte: Wikimedia Commons. https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Models_of_Circus_Maximus_(Rome)?uselang=it. Acesso em: 12 fev. 2017.

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Circus Massimus. Fonte: Google Earth. Acesso em: 12 fev. 2017.

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Vista do Circus Massimus sobre o Palatino. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vista do Circus Massimus sobre o Palatino. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Circus Massimus e o Palatino, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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