

Por Marcelo Albuquerque
A arte e a arquitetura renascentista foram desenvolvidas ao longo dos séculos XV e XVI, apresentando um rompimento com as tradições medievais, porém não totalmente separados dos costumes e valores medievos, mas com um consciente rompimento com a estética gótica. São inseridas novas relações entre a arte e arquitetura, promovendo a imagem dos personagens como profissionais liberais, portadores de uma erudição à altura dos grandes gênios da história. Esses personagens são orientados na compreensão e valorização das linguagens da Antiguidade Clássica sem, no entanto, fazer apenas cópias dos modelos antigos. O século XV eleva as figuras de Filippo Brunelleschi, Masaccio, Donatello e Alberti, que definem os princípios de uma arte e arquitetura classicistas, através de tratados, com maior naturalismo na pintura, idealismo e desenvolvimento da perspectiva, aliados às grandes descobertas empreendidas pelo globo terrestre.

Mapa da Europa em 1500. Fonte: https://www.ime.usp.br/~tycho/participants/psousa/cursos/materiais/mapas_historicos.html. Acesso em: 21 abr 2018.
Observaremos que, para muitos autores, a origem do Renascimento é apontada na construção do domo da Catedral de Santa Maria del Fiore por Brunelleschi, em Florença. Posteriormente, Leonardo Da Vinci se tornará, certamente, um dos personagens mais famosos e populares desse período. O início do século XVI apresenta o desenvolvimento e maturidade do Renascimento, tendo como ícones Bramante e Rafael e Michelangelo, junto aos personagens das escolas coloristas de Veneza, como Ticiano. Nesse instante, o Renascimento abre caminho para o Maneirismo. Se destacam arquitetos como Andrea Palladio, o próprio Michelangelo e Giulio Romano. Considera-se que o Maneirismo seja dotado de pensamentos anticlássicos que reformulam as normas da linguagem clássica, ao mesmo tempo em que a glorifica, conferindo uma grande autonomia criativa. O Maneirismo costuma ser visto como uma dinâmica atrelada ao Renascimento, porém reivindicando um novo modelo “à maneira” clássica. O Renascimento também se caracteriza pela propagação das ideias italianas pela Europa, considerando um Renascimento distinto em diversas regiões do subcontinente europeu, como o Renascimento espanhol, o francês, o flamengo e o britânico, entre outros.
O Renascimento desenvolve-se na Itália do final da Idade Média, a partir de Florença, no século XV, marcando o início da era moderna, estendendo-se até o século XVI. Ele é oriundo dos desenvolvimentos do século XIII e XIV, conhecidos como Duecento e Trecento. Renova-se um interesse pelos estudos clássicos da filosofia, literatura e artes, contextualizando-os na sua contemporaneidade. Não significa que a Idade Média havia abandonado estes estudos, pelo contrário, na realidade, havia-se conservado muito da tradição clássica pelos eruditos católicos, pelos mosteiros e pelas universidades em geral. As valiosas contribuições orientais, através dos árabes e dos eruditos gregos e bizantinos refugiados da recém conquistada Constantinopla, pelos turcos otomanos, inundaram a Europa Ocidental de conhecimentos e referências da Antiguidade e da produção intelectual do período medieval. Porém, durante a Idade Média, a Europa passou por alguns momentos de “renascimentos” da cultura clássica, como o empreendido no período carolíngio, no Otoniano, e pela filosofia escolástica, mas nenhuma com as características do Renascimento italiano do século XV. Sendo assim, o ano de 1453, data da conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos, pondo fim ao Império Bizantino, marca o encerramento da Idade Média e início do Renascimento. O período é marcado pelo surgimento e consolidação de estados modernos, como as monarquias nacionais da França, Inglaterra e Espanha, sendo que esta última expulsa de vez os árabes da península Ibérica e patrocina as viagens dos descobrimentos ao lado dos portugueses. A descoberta do Novo Mundo promove uma nova ordem econômica e social, deslocando consideravelmente o eixo comercial do Mediterrâneo para o Atlântico, advindas das expansões coloniais, fomentando a economia mercantilista.
O termo “renascimento ” foi usado por Giorgio Vasari, em 1550, em seu tratado Vidas dos melhores arquitetos, pintores, escultores italianos de Cimabue até à nossa época, para indicar um ciclo que, a partir de Giotto, se estabeleceria com Masaccio, Donatello e Brunelleschi no rompimento com a estética bizantina e retorno para a romana. Para Vasari, o renascimento culmina em Leonardo e Michelangelo, capazes de superar os próprios antigos. O termo “Renaissance” se define como resultado da historiografia do século XIX, descrita por Jules Michelet e Jacob Burckhardt.
Na filosofia, o ressurgimento do neoplatonismo e do hermetismo[1] será fundamental para este florescimento das expressões artísticas renovadas no interesse na Antiguidade. A partir dessas referências, desenvolve-se um ambiente na cidade de Florença, em especial, para as ideias de humanismo, nascido da literatura do século XIV, com renovado interesse em estudos clássicos, especialmente por Boccaccio, Dante Alighieri e Francesco Petrarca. Estes autores foram responsáveis por entender uma nova mentalidade emergente, diferente do período que corresponde ao que chamamos de medieval, situado entre seu tempo e o Império Romano do Ocidente.

Panorama de Florença a partir da Piazzale Michelangelo. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
No campo religioso, além da medieval disputa entre cristãos e muçulmanos, a partir do século VII, e do cisma entre católicos e ortodoxos em 1054, a Reforma Protestante promove um novo cisma dentro da Igreja Católica e no Ocidente, abrindo caminho para as novas correntes protestantes, como a Calvinista e a Luterana. A reforma propunha uma renovação da cristandade e da própria Igreja Romana em si, marcada pelas denúncias de corrupção, extravagancias, decadência e divergências ideológicas e políticas complexas.
Tratados matemáticos gregos foram traduzidos no século XVI, influenciando os estudos de astronomia de Nicolau Copérnico e Kepler, e, posteriormente, no período barroco, os estudos de Galileo. A geografia foi transformada por novas informações científicas e pelas grandes navegações. Entretanto, nada disso seria possível sem a invenção da prensa de Gutenberg, no século XV, revolucionando o fluxo do conhecimento e a difusão de informações, aumentando o número de livros em circulação.
Sobre as fortificações das cidades renascentistas, vale o exemplo de cidades como Lucca. Os avanços no uso da pólvora revolucionaram as táticas militares entre 1450 e 1550, introduzindo a artilharia no campo de batalha, inutilizando os sistemas medievais de muralhas de castelos e cidades, que tiveram que se readequar à novidade, culminando nos desenhos das muralhas Vauban do século XVI.

Muralhas Renascentistas de Lucca. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
[1] O Hermetismo se baseia no Caibalion (tradição ou transmissão), uma compilação comentada anônima do Corpus Hermeticus e Tábua de Esmeraldas. Baseia-se nas Sete leis herméticas aplicadas ao homem e ao universo. O deus Thoth e Ibis transformados em Hermes Trismegistus, “três vezes sábio”, o que leva os conhecimentos divinos ao homem. Se relaciona com o Livro dos Mortos egípcio, compilação de vários papiros de escribas. Acredita-se que Hermes Trismegistus seja um nome genérico, relacionado à vários personagens históricos. Os Mistérios herméticos são conhecimentos passados apenas para virtuosos, nos ambientes iniciáticos da Antiguidade. Marcilio Ficcino lidera em Florença a Academia Platônica Florentina, que estuda o Hermetismo, e o Domo de Siena apresenta uma figura de Hermes Trismegistus, evidenciando uma relação medieval entre essa figura e conhecimentos eruditos do Catolicismo, porém será considerado herético posteriormente (gnose).