Por Marcelo Albuquerque
A primeira fase renascentista está focada na cidade de Florença, que oferece a possibilidade de estudos superiores em círculos acadêmicos não associados à Igreja ou instituições tradicionais, mas financiadas pelos ricos banqueiros, como a família Médici. As artes plásticas e a arquitetura formulam regras de perspectiva linear, reorganizando a representação espacial. A redescoberta de modelos antigos, tanto em arquitetura, pintura e escultura, se baseiam nos princípios de harmonia, proporção e simetria, refletindo a dimensão harmônica do homem na sua relação com a natureza e com a criação divina, bem representada no Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, um reestudo das proporções conhecidas e aplicadas desde a Grécia Clássica e transmitida por Vitrúvio. A pintura do Renascimento modela-se com a influência da arte de Flandres no início do século XV, dos pintores flamengos, que introduzem um renovado naturalismo na arte e a técnica da pintura a óleo sobre tela, além da introdução dos retratos nos ambientes privados, de forma a enaltecer a figura cívica dos retratados, como veremos mais adiante.
A ascensão de Florença como potência comercial, intelectual e artística remonta ao período da Baixa Idade Média, a partir do século X, quando a cidade se tornou município autônomo em 1115, marcada por lutas que se estenderam durante o século XIII, como a disputa entre os gibelinos, partidários do Sacro Império Romano, e os guelfos, a favor do papado romano. Essa política interna não impede que a cidade floresça e se torne uma das maiores repúblicas medievais da Toscana. Após a Peste Negra de 1348, Florença se torna o grande centro de poder da Toscana, superando sua arquirrival Siena, que não conseguirá se reerguer como Florença após a Peste.
A partir da década de 1430, a família Médici inicia uma política de mecenato para formar e patrocinar os melhores artistas, arquitetos, escritores, humanistas e filósofos do período, ao longo de décadas, como Filippo Brunelleschi, Michelozzo, Verrocchio, Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti. Maquiavel, personagem importante do século XV, tem sua obra literária, “O Príncipe”, muitas vezes vista como uma legitimação da tortuosidade e também do abuso político. As atividades das academias, patrocinadas pela elite florentina, fora do círculo do ensino tradicional católico, se dividiam em diversas áreas do conhecimento, das quais se destacam as correntes científicas (física, química e história natural) e as relacionadas à filologia e linguagem. Em 1527 os florentinos expulsam os Médici, reestabelecendo uma república, mas em 1532, os Médici retornam como duques de Florença, conquistando a República de Siena em 1555. Em 1569 é criado o Grão-Ducado da Toscana.
Piazza della Signoria: o magnífico Palazzo Vecchio. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
Piazza della Signoria: Loggia dei Lanzi. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
O centro político de Florença é a Piazza della Signoria, com o magnífico Palazzo Vecchio, edifício gótico construído sobre um teatro romano, como se vê na figura acima. Em frente, a Loggia dei Lanzi assume um papel de galeria de obras-primas da escultura. Ao seu lado, a Galeria Uffizi é um dos maiores museus de arte do mundo, reunindo uma das mais importantes coleções de arte ocidental. Foi concebida para abrigar os escritórios da burocracia do Médici no século XVI, os escritórios de ofícios (Ufizzi).
Galeria Uffizi, Florença. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
A catedral gótica de Santa Maria del Fiore protagoniza o grande divisor de águas que marcará o início da era renascentista, com sua majestosa cúpula de Fillipo Brunelleschi (1377-1446). Brunelleschi foi arquiteto, engenheiro, escultor e ourives, e é considerado, ao lado de Masaccio e Donatello, um dos fundadores do Renascimento. A ele credita-se a invenção da perspectiva de um único ponto de fuga, ou perspectiva linear. Depois de sua aprendizagem como um ourives e uma breve carreira como escultor, dedicou-se à arquitetura, após perder o concurso das portas do Batistério para seu rival Lorenzo Ghiberti. Brunelleschi faz um longo estudo arquitetônico das ruínas de Roma, e retorna à Florença para um novo concurso, para a construção da cúpula de Santa Maria del Fiore, enfrentando novamente seu rival Ghiberti.
Santa Maria del Fiore, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Seção e cúpula de Filippo Brunelleschi. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Filippo_Brunelleschi>. Acesso em: 11 out. 2016.
Com Brunelleschi nasce a figura do arquiteto moderno, reconcebendo os processos técnicos e conceituais da arquitetura, diferentemente das tradições dos mestres construtores medievais, fortalecendo o papel do projeto arquitetônico e do planejamento da construção. Com Brunelleschi, a arquitetura deixa de se firmar como uma arte mecânica, elevando-se a uma categoria intelectual de arte liberal, fundada na matemática, na geometria e na erudição histórica. Brunelleschi privilegia, na arquitetura, uma pureza na linguagem romana de proporções monumentais, valorizando os arcos e colunas, como visto nas basílicas romanas, ritmos modulares correspondentes à números inteiros, seguindo proporções precisas para todo o edifício. Os elementos decorativos se afastam completamente das tradições do Trecento, retomando a linguagem latina em oposição ao bizantino e ao gótico.
Escultura de Brunelleschi olhando para a sua cúpula da catedral, e Arnolfo di Cambio, em frente a Santa Maria del Fiore. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
Brunelleschi começou a estudar o problema da cúpula de Santa Maria del Fiore, desde o início do século XV. O tambor octogonal foi erguido entre 1410 e 1413, porém uma cúpula tão grande nunca tinha sido realizada com as tradicionais técnicas, com uso de andaimes e cimbramento de madeira, parecendo inviável sua conclusão. Em 1418, foi editado o famoso concurso público para resolver o problema do domo, de forma a detalhar as soluções para as costelas, o cimbramento, as coberturas, os materiais e as ferramentas necessárias. Segundo Argan, em “História da arte como história da cidade”, além dos problemas técnicos de engenharia, a cúpula também deveria se impor, harmonicamente, sobre o espaço urbano, de forma a simbolizar o poder de Florença. Filippo Brunelleschi e seu rival Lorenzo Ghiberti foram nomeados para o empreendimento.
A obra da cúpula começou em 1420. O domo é constituído de duas cúpulas, com passarelas e escadas na lacuna entre elas. A obra foi auto sustentada por andaimes aéreos e cimbramento que não se apoiavam diretamente no piso da basílica, proposta que gerava muita desconfiança dos trabalhadores. Mais adiante, Ghiberti deixará de ser protagonista da construção, ao lado de Brunelleschi, por não conseguir resolver problemas estruturais. Brunelleschi assume a chefia de toda a obra, concluindo-a e levando uma parte considerável dos créditos da construção. A cúpula foi edificada em pedra, até os primeiros sete metros e, em seguida, de tijolo, feitas com a técnica “espinha de peixe”, que funciona como uma espécie de anel em espiral autossustentada. A cúpula exterior é constituída de tijolos vermelhos intercalados com oito costelas brancas. A cúpula interior, menor e robusta, suporta o peso da parte exterior. A lanterna, já concebida com elementos clássicos em detrimento do gótico, torna-se um mirante, sendo possível visita-la como um dos principais pontos turísticos de Florença.
Cúpula de Santa Maria del Fiore, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Técnica de construção em alvenaria de Brunelleschi baseada no opus spicatum, no interior da cúpula de Santa Maria del Fiore, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Lanterna renascentista de Santa Maria del Fiore, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Interior da cúpula de Santa Maria del Fiore, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Outro ponto admirável foi o sistema de guindaste desenvolvido por Brunelleschi para erguer os materiais de construção. Um par de cavalos amarrados a um eixo vertical fazia o sistema girar. O arquiteto aplicou um sistema de guinchos e roldanas com engrenagens derivadas dos utilizados no fabrico de relógios capazes de aumentar a sua força, permitindo que se alternasse a subida e descida de materiais sem alterar a direção dos cavalos. Leonardo da Vinci estudou esses sistemas e aplicou em algumas de suas famosas criações.
O Asilo dos Inocentes, iniciado em 1419, é considerado o primeiro edifício construído de acordo com cânones clássicos. Serviu como orfanato e complexo hospitalar. As longas varandas agem como elementos intermediários entre o hospital e a praça, compostas por abóbadas de nervuras, arcos e colunas de capitéis coríntios. As cores austeras, de gesso branco e pedra cinza, tornaram-se um traço harmonioso e limpo, característico do Renascimento florentino. Os medalhões de cerâmica, sobre cada coluna das varandas, foram acrescentados por Andrea della Robbia, sobrinho de Luca della Robbia, em 1490, representando as inocentes crianças pequenas.
Asilo dos Inocentes, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Asilo dos Inocentes, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Asilo dos Inocentes, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Em 1429 foi confiado a Brunelleschi a reconstrução do claustro franciscano de Santa Croce que, mais tarde, tornou-se a capela de Pazzi, financiado por Andrea de Pazzi. O edifício foi concluído após 1470, por Giuliano da Maiano. Sua medida da largura, altura e diâmetro da abóbada remetem a um cubo imaginário encimado pela cúpula. Foram adicionados dois braços laterais, cobertos por uma abóbada de berço, além de um altar na abside. Assim como o Asilo dos Inocentes, a ornamentação é nobre e austera, com gesso branco e pedras cinzas, com medalhões de cerâmica de Luca della Robbia. Seu pórtico da fachada frontal remete a um arco triunfal, sustentado por colunas e um grande arco de volta perfeita.
Capela da família Pazzi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Medalhões de cerâmica de Luca della Robbia. Capela da família Pazzi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Brunelleschi: Capela da família Pazzi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Brunelleschi: Capela da família Pazzi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Brunelleschi: nave central e lateral de San Lorenzo, Florença, 1441-1481. Podemos observar a composição derivada do Asilos dos Inocentes nas arcadas das naves. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
Leon Battista Alberti, célebre artista, arquiteto, historiador e filósofo do Renascimento, é autor dos tratados De Re Aedificatoria (1443-52), De Pictura (1540) e De Statua (1568), que apresentam os princípios estéticos do pensamento renascentista, baseados no estudo da Antiguidade Clássica e na objetividade da observação da natureza. Isso não significa uma imitação direta da natureza objetiva, mas o modelo ideal de beleza de caráter neoplatônico, como a harmonia de todas as partes em relação ao todo, proporção e escala humana. Alberti estudou ruínas e objetos artísticos da Antiguidade, revalorizando o Tratado de Arquitetura do romano Vitrúvio. Entre as discussões de Alberti estava o efeito social da arquitetura, sobre a cidade planejada e a paisagem.
De Alberti, para este capítulo, destaco a basílica de Sant’Andrea em Mantova. Seu desenho é renascentista por excelência, sendo concluída anos após a morte de Alberti. Sua fachada remete aos arcos triunfais romanos, com um arco único, baseado em arcos triunfais antigos como o Arco de Tito ou o Arco de Trajano. Sob o arco forma-se uma espécie de pórtico com abóbada de berço e caixotões, marcando o ponto entre o interior e exterior. O arco é ladeado por pilastras coríntias, com paredes divididas entre janelas e nichos. A fachada está inscrita em um quadrado. Sobre o frontão vemos um arco que se afasta da fachada, apontando a altura da nave, enfatizando a monumentalidade e iluminação da nave, impedindo que a luz incida diretamente no interior da igreja. O interior forma uma cruz latina, com uma única nave de abóbada de berço e caixotões, com capelas laterais com base retangular e emolduradas por arcos de volta perfeita, acompanhando a fachada. O cruzeiro possui uma cúpula. O altar possui abside profunda que encerra o espaço da nave. A cripta contém relicários com terra que, segundo a tradição, são encharcadas com o sangue de Cristo colhido pelo soldado romano Longinus.
Sant’Andrea em Mantova. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://it.wikipedia.org/wiki/Basilica_di_Sant%27Andrea_(Mantova)>. Acesso em: 11 out. 2016.
Alberti é um dos intelectuais responsáveis pela elevação da arquitetura, pintura e escultura para as artes liberais, consideradas artes mecânicas durante a Idade Média. Junto ao escultor Lorenzo Ghiberti, avançaram para uma teoria artística elaborada na distinção de várias facetas do processo artístico. Ghiberti produziu pesquisas no campo da ótica, no comportamento da luz em diversas circunstâncias e nas inter-relações do olho e cérebro na percepção. Alberti é o pioneiro na literatura artística a constituir a pintura como objeto de teoria e doutrina sistematizadas, montando seu discurso baseado nas artes liberais com geometria e retórica. Ele dividiu a pintura em três partes: circunscrição (desenho das formas), composição e “recepção das luzes” (receptio luminum), que inclui a cor. As cores, para Alberti, variam em razão da luz. As cores primárias seriam quatro, associadas aos quatro elementos: vermelho (fogo), azul (ar), verde (água) e cinza (terra), e todas as outras cores seriam misturas dessas. Ele preocupou-se em descrever os elementos cognoscíveis da perspectiva linear e aérea e exigia que o pintor fosse culto nas artes liberais, estudasse os poetas, os gestos, as expressões e os movimentos do corpo humano.
Leon Batista Alberti: Palazzo Rucellai. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://it.wikipedia.org/wiki/Leon_Battista_Alberti>. Acesso em: 12 abr. 2017.
O Palazzo Rucellai (1446-1451) possui desenho da fachada com formas clássicas, aplicando o rusticismo na alvenaria, coroado com uma imponente cornija. O embasamento baseia-se no opus reticulatum romano. É composto de três níveis, divididos por cornijas e por pilastras que sobrepõe as diferentes ordens clássicas; assim como o Teatro de Marcelo e o Coliseu, comentados anteriormente (o primeiro piso é dórico, o segundo jônico e o terceiro coríntio). A medida em que a parede se eleva, a cantaria vai se tornando mais polida e bem-acabada, se afastando do rusticismo do primeiro nível. As alturas das pilastras diminuem gradualmente de tamanho em direção aos andares superiores, criando uma sensação de monumentalidade.
Assim como o Palazzo Rucellai, o Palazzo Medici-Ricardi (1444-64), de Michelozzo, possui três níveis sobrepostos com tratamentos diferentes, sendo o primeiro nível rusticado com janelas inseridas em arcos. O projeto original foi encomendado a Brunelleschi, porém os contratantes repassaram à Michelozzo a edificação, alterando o desenho do edifício. O pátio interno possui colunas coríntias, como um peristilo romano. O edifício estabelece um padrão cívico no uso dos elementos clássicos com fachadas imponentes, como o Palazzo Medici-Ricardi de Michelozzo.
Palazzo Medici Riccardi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Palazzo Medici Riccardi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Michelozzo. Pátio do Palazzo Medici-Ricardi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Janelas ajoelhadas (finestre inginocchiate), atribuídas a Michelangelo (1517). Palazzo Medici Riccardi, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Outro palácio que merece destaque é o Palazzo Strozzi, também em Florença. De forma cúbica, foi concebido em torno de um pátio central, com três andares. Sua fachada remete aos palácios anteriores, tendo o piso térreo janelas retangulares, enquanto os andares superiores possuem janelas arqueadas, sobre bordas serrilhadas.
Palazzo Strozzi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Palazzo Strozzi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Palazzo Strozzi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Palazzo Strozzi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Pátio interno do Palazzo Strozzi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Santa Maria Novella possui o desenho renascentista da fachada da nave principal, por Alberti, edificada entre 1448 a 1470, reformando a antiga fachada medieval, conservando o nível mais baixo com os antigos seis nichos góticos. Foram empregados os mármores policromados e o desenho tradicional toscano das igrejas florentinas, como San Miniato al Monte e o Batistério de Florença. A janela ocular também foi preservada.
Santa Maria Novell, Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Santa Maria Novella. Nave central e naves laterais. Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Fachada de Santa Croce. Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Entre as pontes que cruzam o rio Arno, destaca-se a Ponte Vecchio, única no mundo, com suas características lojas de joalharia construídas sobre a ponte. A parte superior das lojas é atravessada pelo Corredor Vasari, uma passagem que liga o Palazzo Vecchio ao Palácio Piti, do outro lado do rio, como forma de garantir privacidade e segurança aos governantes de Florença.
Ponte Vecchio vista de dentro da Galeria dos Uffizi. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Um dos adventos mais importante para a pintura do Renascimento foi o desenvolvimento da tinta a óleo a partir da linhaça, técnica criada nos Países Baixos e utilizada pelos irmãos Van Eyck. O fácil transporte da pintura, que agora podia ser enrolada em seu suporte de tecido, permitiu o intercâmbio entre escolas de pinturas italianas e flamengas, ampliando o conhecimento dos artistas em diversos pontos da Europa simultaneamente. A tinta a óleo produz mais brilho que as têmperas, acentuando sensivelmente a cor, permitindo maior grau de detalhamento, que unido ao pensamento filosófico da época, possibilitou a conquista do naturalismo por parte dos pintores. Isto amplificou a arte do retrato cívico, uma das mais importantes contribuições da pintura renascentista.
Mona Lisa, 1503-07. Óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris. À direita, Dama com Arminho, de 1485. Museu Czartoryski, Cracóvia. Fonte: Wikipédia”. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci>. Acesso em: 11 out. 2016.
Leonardo da Vinci é um paradigma da arte renascentista, e sua trajetória na oficina de Verrocchio como aprendiz nos esclarece muito sobre a formação de um artista nesse período. A oficina projetava, realizava e ensinava atividades diversas, como pinturas e esculturas em variadas técnicas, as chamadas “artes menores” e decorativas, trabalhos de carpintaria, mecânica e arquitetura, onde o aluno e aprendiz podia ser formado em várias técnicas. A geração de Leonardo que estudou na mesma oficina incluiu grandes mestres como Sandro Botticelli, Perugino e Ghirlandaio. Leonardo, mesmo depois de ter reconhecida sua independência como artista, colaborou com Verrocchio ainda por alguns anos. Conta-se que, segundo a tradição, Verrocchio, ao ver o anjo da esquerda pintado majestosamente por Leonardo, na obra O Batismo de Cristo, de 1472 a 1475, pintada a duas mãos, decidiu abandonar a pintura, ao ver que seu talentoso discípulo o havia superado.
Visitantes na Galeria Uffizi em frente ao O Batismo de Cristo, 1472-1475, de Verrocchio e Leonardo da Vinci. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
A Anunciação, de 1472-1475, de Leonardo da Vinci, protegida com blindagem de vidro. Galeria Uffizi, Florença. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
Para Leonardo da Vinci, assim como Alberti, a pintura deve se afastar das artes mecânicas para aproximá-la das artes liberais, na qual o desenho é o meio intelectual predominante, da mesma forma que o seu ensino. A escultura, do seu ponto de vista, permaneceria uma arte mecânica, por fazer transpirar e exaurir fisicamente, situação modificada posteriormente pelo gênio de Michelangelo, adversário declarado das opiniões de Leonardo. Sendo assim, os artistas do Renascimento gozaram do prestígio intelectual.
A Última Ceia, de Leonardo da Vinci. 1495-98. Santa Maria delle Grazie, Milão. Fonte: A Última Ceia. In: Site “Wikipédia”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci>. Acesso em: 11 out. 2016.
No “Tratado de Pintura”, Leonardo da Vinci faz investigações sobre a importância dos estudos da natureza, da perspectiva aérea, a preocupação com a modelagem tonal (sfumato), o estudo das sombras no planejamento e o desejo de experimentar novas técnicas de pintura. Essas novas técnicas incluíam tentativas de pintura de afresco à óleo, fixando a tinta através de calor, mas que se mostrou desastrosa, como ocorreu no célebre afresco da Última Ceia. Suas observações dos efeitos da cor prenunciam fundamentos do Impressionismo. Sua posição é aristotélica e sua crença está na observação e representação da realidade sensível e visível como forma de obtenção do conhecimento.
O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Uffizi>. Acesso em: 11 out. 2016.
Visitantes na Galeria Uffizi em frente ao Nascimeto de Vênus, de Botticelli. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2015.
Michelangelo inicia seus estudos em 1487, aos doze anos, na oficina de Domenico Ghirlandaio, momento no qual conhece os mestres italianos e alemães do desenho e da pintura, especialmente do trecento em diante. Mais adiante, começou a frequentar e estudar no jardim de San Marco, a Academia de Lorenzo, o Magnífico, em Florença, onde teve contato com grandes coleções de esculturas antigas dos Médici, junto a outros jovens talentosos, além do contato com as artes liberais e as artes mecânicas tradicionais e estudos contemporâneos do Renascimento. Ludovico passa a ser o protetor e mecenas do jovem gênio. Assim foi capaz de conhecer importantes personalidades de seu tempo e principais clientes, dentro e fora da Igreja.
Após a morte de seu patrono e seu colapso político, Michelangelo juntou-se aos novos valores pregados por Savonarola, convicto na reforma da Igreja, cujos valores estavam ameaçados devido à política contemporânea, à arte paganizante de seu tempo e aos costumes em geral. Ao ser condenado na fogueira, o movimento de Savonarola se dissipa e Michelangelo em breve iniciará suas viagens para fora de Florença, concebendo diversas obras primas, estabelecendo-se prioritariamente em Roma, a partir de 1496. No Vaticano, Michelangelo estuda as coleções de esculturas antigas e acompanha escavações, restaurando algumas obras. O período helenístico grego influenciará decisivamente a obra do gênio. Desse período vem a encomenda da Pietà em mármore de Carrara para a igreja de Santa Petronilla, que hoje está na basílica de São Pedro no Vaticano. O grupo escultórico inova em relação à escultura italiana tradicional de Pietà, adotando a composição piramidal. O acabamento é primoroso, desde os pequenos detalhes que produzem o efeito de mármore translúcido e maleável. Ela é considerada como sua primeira grande obra-prima e marca o início de sua autoconsciência como gênio.
Pietà, de Michelangelo. Mármore. Basílica e São Pedro, Vaticano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Michelangelo volta para Florença em 1501 e realiza diversas obras na Toscana, como estátuas sacras para Siena e Florença, aproveitando o prestígio que já gozava devido aos seus anos em Roma. No mesmo ano, começa a trabalhar no “Gigante”, e em três anos completa o Davi, encomendado para a área externa da abside do Duomo de Florença. O artista retrata o herói de forma incomum, em relação à iconografia e à tradição: nu, com aparência calma e serena, a ponto de reagir contra Golias. O Davi é associado ao poder da republica de Florença diante de seus adversários. Torna-se imediatamente uma obra-prima e símbolo da cidade, sendo deslocada para a Piazza della Signoria. Uma cópia foi realizada, ficando ao livre, enquanto o original está preservado na Galeria da Academia de Florença.
Davi de Michelangelo, Galeria da Academia de Florença. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
A partir do século XVI, Roma ressurge na sua grandeza como a capital dos papas, e se tornará o centro erudito das artes, particularmente nos trabalhos de Michelangelo e Rafael no Vaticano. Rafael Sanzio (1483-1520) inicia suas atividades com a presença de Perugino e sua oficina. Rafael demonstrou interesse nos afrescos e esculturas de Michelangelo, e a história apresenta grandes disputas entre Bramante e Rafael contra Michelangelo. Rafael inclui um retrato de Michelangelo e de Leonardo da Vinci no afresco A Escola de Atenas e em outros trabalhos posteriores. Rafael, profundo admirador de Michelangelo e Leonardo, tornou-se a figura que compôs a tríade de gênios pintores da Renascença.
Rafael. A Escola de Atenas, 1509. Vaticano. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael>. Acesso em: 11 out. 2016.
Ressurreição de Cristo, c. 1499/1502. Museu de Arte de São Paulo. Foto: Marcelo Albuquerque, 2016.
[1] ARGAN, 1998, p. 74.