É preciso recordar que os gregos não eram retratistas até o período clássico. Não se representavam historicamente, mas se relacionavam simbolicamente aos deuses. Seus inimigos vencidos seriam os próprios inimigos dos deuses nas batalhas mitológicas, como os titãs e os centauros, que podiam representar, por exemplo, os inimigos persas ou outros povos estrangeiros. Os frontões gregos passarão a receber conjuntos escultóricos cada vez mais complexos, do período arcaico para o período clássico. As peças escultóricas gregas, agregadas aos edifícios ou independentes, como os frisos, cariátides (fuste de colunas com forma de figuras femininas) e atlantes (figuras masculinas que apoiam o peso do entablamento, referente à Atlas), eram pintados com cores vivas, assim como na Roma antiga. Do período republicano, o busto de Bruto Capitolino é considerado uma obra prima do retrato romano, representando o mítico pai da República, o ideal da masculinidade viril e da cidadania romana. Lúcio Júnio Bruto, ao lado de Lúcio Tarquínio Colatino, foram os dois primeiros cônsules de Roma após a deposição do último rei de Roma, Tarquínio o Soberbo. Bruto fez o povo jurar que dali em diante Roma jamais seria governada por reis.
Busto de Bruto Capitolino. 300-275 a.C. Bronze, 69 cm. Museus Capitolinos. Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Busto pós-ático inspirado no chamado Bruto Capitolino. Origem desconhecida. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Segundo Gombrich, é certo que haviam retratos de personalidades antes do período helenístico, mas provavelmente não eram representações muito fieis. Um general poderia ter a aparência de um jovem e belo soldado, com os atributos de um guerreiro. Expressões da idade seriam suprimidas em prol de um idealismo da figura. Mas foi na época de Alexandre, o Grande, que a arte do retrato emerge para se estender até o declínio do Império Romano do Ocidente, por volta de 476 d.C. Os retratos helenísticos que conhecemos de Sócrates, Platão e Aristóteles foram produzidos após a morte dos mesmos, e mesmo que contenham expressões individualizadas, não temos a garantia da aparência real desses filósofos.
Busto de Sócrates. Cópia romana em mármore de um original helenístico de 350-300 a.C. Museus Capitolinos, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
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O grupo Laocoonte, cópia romana de um original grego, c. 140 a.C. a 40 d.C., em mármore, propriedade do Museu Pio-Clementino, no Vaticano, possui autoria atribuída a Aguesandro, Polidoro e Atenodoro, convertendo-se em um dos modelos do classicismo do Renascimento. O episódio mítico da Ilíada de Homero é descrito na Eneida de Virgílio, e narra o momento em que Laocoonte e seus filhos Antífantes e Timbreu são arrastados por serpentes marinhas para o fundo do mar nas praias de Tróia. O deus Apolo envia esses monstros pois Laocoonte o contrariou e previu a ameaça do presente grego, o Cavalo de Tróia. Michelangelo, na época da descoberta do grupo escultórico, ajudou na sua restauração, faltando-lhe o braço direito de Laocoonte. Artistas e especialistas discutiram na época como deveria ter sido a posição do braço direito que faltava, e Michelângelo defendeu a tese que estaria dobrado por trás do ombro do Laocoonte. Porém, a opinião que prevaleceu foi a do braço estendido para fora, em um gesto heroico. Um novo braço foi feito e a integração foi realizada, mas no início do século XX o pedaço original foi encontrado, sendo reintegrado à peça em meados do mesmo século, confirmando a tese de Michelângelo. Michelangelo ficou fortemente impressionado pela massa corpórea e aspecto sensual do grupo escultórico, influenciando sua obra de escultura e pintura, como se pode observar nas figuras máscula dos afrescos da capela Sistina, no Vaticano, em especial de Jesus, inciando o processo que romperá com a estética clássica do Renascimento para a estética Maneirista e proto-barroca.
Laocoonte e filhos. Cópia romana em mármore, c. 140 a.C. a 40 d.C. Museus Vaticanos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
O Apolo Belvedere, também do Museu Pio-Clementino, tem procedência desconhecida, cuja cópia romana era provavelmente da era Antonina, de um original grego em bronze, perdido, de autoria atribuída ora ao ateniense Leocares, ativo na fase final do período clássico, ora a um escultor desconhecido do período helenístico. Napoleão, ao invadir o Vaticano, levou-o a Paris para seu próprio quarto. Foi considerado, no séc. XIX, a obra de arte mais bela da história.
Apolo de Belvedere. Cópia romana em mármore de um original grego em bronze. Museu Pio Clementino. Museus Vaticanos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
O Gaulês moribundo, cópia romana de original helenístico, transparece o desejo artístico grego pelo pathos, pela teatralidade do personagem em um momento histórico no espaço e no tempo. Representa um guerreiro celta vencido, proveniente de Pérgamo, durante o governo da dinastia do Átalos. A partir de 278 a.C., tribos celtas migraram para o sul e cruzaram o Helesponto, gerando por mais de cinquenta anos guerras e conflitos com as cidades gregas helenísticas. Átalo I vence os celtas e então a escultura em bronze é colocada na acrópole de Pérgamo. Acredita-se que sua autoria seja de Epigonus.
Gaulês moribundo ou Gálata Capitolino. Cópia romana em mármore do século III d.C., de original em bronze do século III a.C. Museus Capitolinos. Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
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Por Marcelo Albuquerque
As influências etruscas e gregas são cruciais para o desenvolvimento de toda a obra escultórica romana, principalmente a partir do século II a.C. Os romanos desenvolveram uma exuberante arte dos retratos, sem precedentes na história, não só dos imperadores, mas dos patrícios e demais personagens que desejassem manter sua memória presente. Entretanto, os romanos desenvolvem retratos mais realistas, de preocupação acentuada no registro histórico, na memória triunfal e nas expressões faciais naturalistas. Os principais ramos da escultura se dividiam em esculturas religiosas-mitológicas (divindades), alegorias históricas, retratos de personagens contemporâneos, e relevos históricos e funerários.
Sarcófago etrusco de Cerveteri, 520 a.C., Museu Nacional de Villa Giulia, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Sarcófago etrusco de Cerveteri, 520 a.C., Museu Nacional de Villa Giulia, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Conforme foi abordado no capítulo sobre os etruscos (ver etruscos), em especial na escultura em terracota e bronze, a arte romana deriva-se em parte dessa cultura mãe junto à uma interpretação do estilo grego arcaico, como observado nas esculturas votivas de Vulca e no Sarcófago de Cerveteri, como se vê no acervo do Museu de Villa Giulia (ver Villa Giulia). Os retratos etruscos passaram a acolher um maior realismo, principalmente sob as influencias helenísticas da Magna Grécia.
Loba Capitolina. Bronze. Museus Capitolinos, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Três estátuas de terracota de figuras femininas sentadas de um santuário em Ariccia, século III a.C. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
O período arcaico grego também influenciou um momento da escultura romana no século I. A escultura arcaica grega inicia-se por volta de 650 a.C. e se estende até 480 a.C., data da vitória grega contra os persas na Batalha das Termópilas. As imagens apresentam forte influência dos cânones egípcios, sendo que as esculturas votivas masculinas são conhecidas como Kouros (plural Kouroi), sempre nus, enquanto as femininas, sempre vestidas, são chamadas de Koré (plural Korai). São figuras idealizadas com aspectos arcaizantes, pois não haviam ainda retratos naturalistas nesse período. Com cânones rígidos, predomina na escultura a posição monolítica com o pé esquerdo avançado, como no Egito. Os deuses carregavam seus atributos e, diferente dos egípcios, são as primeiras esculturas de vulto redondo, em tamanho natural, completamente liberadas da pedra, pintadas com uma rica policromia. Veremos adiante as cópias romanas dos períodos gregos clássico e helenístico que se seguem ao período arcaico.
Cabeça feminina arcaística. Nota para o chamado “sorriso arcaico” e os olhos amendoados. Século I. Mármore grego insular. Museu do Palatino. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Nas artes, o período helenístico (séculos IV-II a.C.) introduz a arte do retrato, apresentando as características físicas do retratado, que posteriormente é adotada pelos romanos, da qual somos herdeiros diretos. O pathos[1] e a teatralidade parecem ocupar o espaço do idealismo clássico do período anterior das cidades-estados gregas, levando as esculturas a se assemelharem a atores em cena. A arquitetura já não se satisfaz com as rígidas ordens dóricas e jônicas, e se apresenta cada vez mais monumental, ornamentada e influenciada por estilos orientalizantes, assim como ocorre em parte da escultura romana.
Em Roma, os museus exibem algumas peças do período neoático, ou seja, referente à Atica, região de Atenas, período de produção de um estilo de esculturas, relevos, pinturas e arquitetura que começou no século II a.C. até o século II d.C. O neoaticismo espalhou a cultura artística grega no Ocidente, principalmente para o Estado e para clientes romanos mais abastados, tornando-se a base da cultura artística erudita oficial. Seu desenvolvimento toma como principal referência os séculos V e IV a.C., quando do apogeu de Atenas frente às cidades-estados gregas, durante o período do estilo severo[2], período clássico, clássico tardio e estilo arcaizante de meados do século IV a.C. Além das imagens iconográficas religiosas (mitológicas), juntou-se o retrato de figuras públicas.
Ártemis. Século II d.C. Período neoático. Mármore lunense. Baseado em original helenístico de 200 a.C. Galeria Borghese. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Roma possui museus com valiosos acervos de esculturas, se destacando os Museus do Vaticano, os Museus Capitolinos e o Museu Nacional Romano, este último instalado em diversos pontos da cidade em importantes edifícios, como as Termas de Diocleciano (ver Termas de Diocleciano). A Galleria degli Uffizi, em Florença, também oferece um importante acervo de bustos romanos. Os Museus Capitolinos são um ponto forte da cidade e indispensável para conhecer e admirar a escultura da Roma antiga. Foi aberto ao público pelo papa Clemente XII, em 1734, sendo considerado o primeiro museu no mundo, seguido pelo Louvre em Paris, entre outros. Seu acervo possui obras famosas, como a escultura equestre em bronze do imperador Marco Aurelio, no Palácio dos Conservadores, cuja réplica encontra-se no centro da praça do Campidoglio (ver Capitolino), e a cabeça colossal de Constantino, do século IV, que originalmente ficava instalada na Basílica de Constantino, no Fórum Romano, e a Loba Capitolina, atribuída como escultura etrusca, do século V a.C., mas que pode ter origem medieval.
Galeria de esculturas do Palácio Novo. Museus Capitolinos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
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A arte tumular romana deve muito às tradições etruscas e helenísticas, principalmente. Dos etruscos, os romanos herdaram a tradição de retratar os esposos reclinados sobre o triclínio, como vemos no Túmulo dos Esposos, na Villa Giulia (ver Terracota etrusca e Museu de Villa Giulia). O costume de enterrar os mortos, em especial os mortos mais abastados, cujos sarcófagos foram preservados, envolvia um ritual com uso de caixões e sarcófagos que podiam receber ricos relevos escultóricos. Durante o período republicano até o início do Império, a forma mais popular de enterro foi a cremação e depósito das cinzas em urnas, porém existem poucos exemplos de sarcófagos requintados desse período, como o sarcófago de Lucio Cornelio Scipione Barbato, pertencente ao Museu Pio-Clementino no Vaticano, com feições austeras e helênicas.
Durante o império, a forma suntuosa de sarcófagos possuía painéis adornados como baixos-relevos e elementos iconográficos e ornamentais, como guirlandas e bucrânios (esculturas e relevos de crânios de bois descarnados, relacionados aos sacrifícios desses animais). Durante os governos de Trajano e Adriano, o enterro dos mortos passa a ser cada vez mais frequente devido o contato com o Mediterrâneo Oriental e Ásia Menor, regiões que possuíam uma série de crenças religiosas pagãs que pregavam a imortalidade da alma vinculada ao cuidado e preservação do corpo visando o renascimento em uma vida futura[1]. Os sarcófagos latinos possuem um lado longo e os dois curtos, enquanto os gregos e orientais costumavam ser decorados nos quatro lados. No Oriente, os sarcófagos eram instalados no centro da câmara mortuária, enquanto em Roma podiam se alinhar ao longo das paredes de uma sala. Entre os temas mais populares de relevos durante o período imperial estavam os dedicados à Dionísio, ou Baco. Nos tempos do imperador Cômodo, os sarcófagos alcançaram requintes plásticos complexos e, posteriormente, incorporam temas de caças, virilidade militar e qualidades filosóficas de seus representados falecidos. O Cristianismo desenvolve uma iconografia própria, com sarcófagos decorados com temas judaico-cristãos, como as populares figuras do Bom Pastor e cenas do Antigo e Novo Testamentos. A imagem de Cristo, nesse período, representa Jesus jovem, adolescente e puro, como no emblemático sarcófago de Junius Basso (ver Arte Paleocristã: catacumbas).
O Monumento Funerário kline, do século I, nos Museus das Termas de Diocleciano, retrata um homem deitado em um triclínio, segundo tradições etruscas, vestido de toga, acompanhado de um busto de sua esposa, um tipo de meta-escultura, ou seja, uma representação escultórica de outra escultura. Kline significa uma cama de casal quadrada com bronze, coberta com tecidos e almofadas. Esse tipo de representação funerária será mais comum na época imperial.
Monumento funerário kline. Mármore di Luni. Século I. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Túmulos em exposição no Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Dioniso era tradicionalmente representado na forma de um jovem sem barbas, longa cabeleira, alegre e festivo. O deus era frequentemente retratado com os seus seguidores na cerâmica grega, especialmente nas crateras e kylix para vinho. Carregava em uma das mãos um cacho de uvas ou uma taça, e na outra um dardo ornamentado de folhagens e fitas. Podia ter o corpo coberto com um manto de pele de leão ou de leopardo, conduzindo uma carruagem puxada por leões. Também pode ser representado embriagado sentado sobre um tonel de vinho, com uma taça na mão a transbordar de vinho.
Dionísio. Era Adriana (117-138 d.C.). Atribuído a Praxíteles em 350 a.C. Galeria Borghese. Mármore di Luni. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Os relevos escultóricos normalmente o mostram na companhia de outros personagens que desfrutam do fruto da videira. Sileno, seu professor sempre presente, conhecido pelo consumo de vinho, lhe transmitiu o plantio da vinha e a fabricação do vinho, figurando nos hinos órficos[2]. No mundo pastoral dionisíaco helenístico figuram criaturas semi-divinas do universo rural, como o deus Pan, sátiros, centauros, ninfas e ménades (mulheres humanas entorpecidas e por vezes violentas, como na tragédia de Eurípedes, As Bacantes) que acompanham o deus, bebendo vinho, tocando flautas e tomando parte em danças e investidas amorosas. Durante o período helenístico, as grandes esculturas de Dionísio se tornaram comuns, apresentando-o como um jovem de feições andróginas, e entre os mais famosos exemplares de esculturas romanas incluem o Fauno Barberini e o Hermafrodita Dormido.
Sarcófago com representação de Dionísio revelando Ariadne com cenas dionisíacas, da Via Appia. Século II. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Sarcófago com Dionísio, Ariadne e centauros em procissão cerimonial e banquete. Século II, Roma. Mármore de Luni. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
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