Cópias romanas e influências de originais helenísticos

Por Marcelo Albuquerque

O grupo Laocoonte, cópia romana de um original grego, c. 140 a.C. a 40 d.C., em mármore, propriedade do Museu Pio-Clementino, no Vaticano, possui autoria atribuída a Aguesandro, Polidoro e Atenodoro, convertendo-se em um dos modelos do classicismo do Renascimento. O episódio mítico da Ilíada de Homero é descrito na Eneida de Virgílio, e narra o momento em que Laocoonte e seus filhos Antífantes e Timbreu são arrastados por serpentes marinhas para o fundo do mar nas praias de Tróia. O deus Apolo envia esses monstros pois Laocoonte o contrariou e previu a ameaça do presente grego, o Cavalo de Tróia. Michelangelo, na época da descoberta do grupo escultórico, ajudou na sua restauração, faltando-lhe o braço direito de Laocoonte. Artistas e especialistas discutiram na época como deveria ter sido a posição do braço direito que faltava, e Michelângelo defendeu a tese que estaria dobrado por trás do ombro do Laocoonte. Porém, a opinião que prevaleceu foi a do braço estendido para fora, em um gesto heroico. Um novo braço foi feito e a integração foi realizada, mas no início do século XX o pedaço original foi encontrado, sendo reintegrado à peça em meados do mesmo século, confirmando a tese de Michelângelo. Michelangelo ficou fortemente impressionado pela massa corpórea e aspecto sensual do grupo escultórico, influenciando sua obra de escultura e pintura, como se pode observar nas figuras máscula dos afrescos da capela Sistina, no Vaticano, em especial de Jesus, inciando o processo que romperá com a estética clássica do Renascimento para a estética Maneirista e proto-barroca.

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Laocoonte e filhos. Cópia romana em mármore, c. 140 a.C. a 40 d.C. Museus Vaticanos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

O Apolo Belvedere, também do Museu Pio-Clementino, tem procedência desconhecida, cuja cópia romana era provavelmente da era Antonina, de um original grego em bronze, perdido, de autoria atribuída ora ao ateniense Leocares, ativo na fase final do período clássico, ora a um escultor desconhecido do período helenístico. Napoleão, ao invadir o Vaticano, levou-o a Paris para seu próprio quarto. Foi considerado, no séc. XIX, a obra de arte mais bela da história.

Apolo de Belvedere. Cópia romana em mármore de um original grego em bronze. Museu Pio Clementino. Museus Vaticanos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

O Gaulês moribundo, cópia romana de original helenístico, transparece o desejo artístico grego pelo pathos, pela teatralidade do personagem em um momento histórico no espaço e no tempo. Representa um guerreiro celta vencido, proveniente de Pérgamo, durante o governo da dinastia do Átalos. A partir de 278 a.C., tribos celtas migraram para o sul e cruzaram o Helesponto, gerando por mais de cinquenta anos guerras e conflitos com as cidades gregas helenísticas. Átalo I vence os celtas e então a escultura em bronze é colocada na acrópole de Pérgamo. Acredita-se que sua autoria seja de Epigonus.

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Gaulês moribundo ou Gálata Capitolino. Cópia romana em mármore do século III d.C., de original em bronze do século III a.C. Museus Capitolinos. Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Sarcófagos, lápides, estelas e urnas funerárias

Por Marcelo Albuquerque

A arte tumular romana deve muito às tradições etruscas e helenísticas, principalmente. Dos etruscos, os romanos herdaram a tradição de retratar os esposos reclinados sobre o triclínio, como vemos no Túmulo dos Esposos, na Villa Giulia (ver Terracota etrusca e Museu de Villa Giulia). O costume de enterrar os mortos, em especial os mortos mais abastados, cujos sarcófagos foram preservados, envolvia um ritual com uso de caixões e sarcófagos que podiam receber ricos relevos escultóricos. Durante o período republicano até o início do Império, a forma mais popular de enterro foi a cremação e depósito das cinzas em urnas, porém existem poucos exemplos de sarcófagos requintados desse período, como o sarcófago de Lucio Cornelio Scipione Barbato, pertencente ao Museu Pio-Clementino no Vaticano, com feições austeras e helênicas.

Durante o império, a forma suntuosa de sarcófagos possuía painéis adornados como baixos-relevos e elementos iconográficos e ornamentais, como guirlandas e bucrânios (esculturas e relevos de crânios de bois descarnados, relacionados aos sacrifícios desses animais). Durante os governos de Trajano e Adriano, o enterro dos mortos passa a ser cada vez mais frequente devido o contato com o Mediterrâneo Oriental e Ásia Menor, regiões que possuíam uma série de crenças religiosas pagãs que pregavam a imortalidade da alma vinculada ao cuidado e preservação do corpo visando o renascimento em uma vida futura[1]. Os sarcófagos latinos possuem um lado longo e os dois curtos, enquanto os gregos e orientais costumavam ser decorados nos quatro lados. No Oriente, os sarcófagos eram instalados no centro da câmara mortuária, enquanto em Roma podiam se alinhar ao longo das paredes de uma sala. Entre os temas mais populares de relevos durante o período imperial estavam os dedicados à Dionísio, ou Baco. Nos tempos do imperador Cômodo, os sarcófagos alcançaram requintes plásticos complexos e, posteriormente, incorporam temas de caças, virilidade militar e qualidades filosóficas de seus representados falecidos. O Cristianismo desenvolve uma iconografia própria, com sarcófagos decorados com temas judaico-cristãos, como as populares figuras do Bom Pastor e cenas do Antigo e Novo Testamentos. A imagem de Cristo, nesse período, representa Jesus jovem, adolescente e puro, como no emblemático sarcófago de Junius Basso (ver Arte Paleocristã: catacumbas).

O Monumento Funerário kline, do século I, nos Museus das Termas de Diocleciano, retrata um homem deitado em um triclínio, segundo tradições etruscas, vestido de toga, acompanhado de um busto de sua esposa, um tipo de meta-escultura, ou seja, uma representação escultórica de outra escultura. Kline significa uma cama de casal quadrada com bronze, coberta com tecidos e almofadas. Esse tipo de representação funerária será mais comum na época imperial.

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Monumento funerário kline. Mármore di Luni. Século I. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Túmulos em exposição no Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Dioniso era tradicionalmente representado na forma de um jovem sem barbas, longa cabeleira, alegre e festivo. O deus era frequentemente retratado com os seus seguidores na cerâmica grega, especialmente nas crateras e kylix para vinho. Carregava em uma das mãos um cacho de uvas ou uma taça, e na outra um dardo ornamentado de folhagens e fitas. Podia ter o corpo coberto com um manto de pele de leão ou de leopardo, conduzindo uma carruagem puxada por leões. Também pode ser representado embriagado sentado sobre um tonel de vinho, com uma taça na mão a transbordar de vinho.

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Dionísio. Era Adriana (117-138 d.C.). Atribuído a Praxíteles em 350 a.C. Galeria Borghese. Mármore di Luni. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Os relevos escultóricos normalmente o mostram na companhia de outros personagens que desfrutam do fruto da videira. Sileno, seu professor sempre presente, conhecido pelo consumo de vinho, lhe transmitiu o plantio da vinha e a fabricação do vinho, figurando nos hinos órficos[2]. No mundo pastoral dionisíaco helenístico figuram criaturas semi-divinas do universo rural, como o deus Pan, sátiros, centauros, ninfas e ménades (mulheres humanas entorpecidas e por vezes violentas, como na tragédia de Eurípedes, As Bacantes) que acompanham o deus, bebendo vinho, tocando flautas e tomando parte em danças e investidas amorosas. Durante o período helenístico, as grandes esculturas de Dionísio se tornaram comuns, apresentando-o como um jovem de feições andróginas, e entre os mais famosos exemplares de esculturas romanas incluem o Fauno Barberini e o Hermafrodita Dormido.

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Sarcófago com representação de Dionísio revelando Ariadne com cenas dionisíacas, da Via Appia. Século II. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Sarcófago com Dionísio, Ariadne e centauros em procissão cerimonial e banquete. Século II, Roma. Mármore de Luni. Museu Nacional Romano, Termas de Diocleciano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Villas

Por Marcelo Albuquerque

As villas são residências de uso urbano e rural, ou apenas rural, que devem conter caves, celeiros, currais, silos e armazéns de acordo com agricultura e pecuária da região. Em Pompéia, a mais famosa é a Vila dos Mistérios, facilmente acessada pela Via delle Tombe, encontrando-se cerca de 400 metros a noroeste das muralhas da cidade. Pompéia está em uma região fértil, com ricos solos vulcânicos, que cercam o Monte Vesúvio e que sempre foram excelentes para a agricultura, desde a Antiguidade. A Vila dos Mistérios, na área rural circundante de Pompéia, foi uma das vilas dedicadas ao cultivo de frutas, verduras, cereais, cevada e trigo, juntamente com o vinho e o azeite. As vinhas foram de extrema importância para a economia de Pompéia.  Acredita-se que as vinhas da antiga Pompeia são muito semelhantes em estrutura às modernas vinhas atuais. A Vila dos Mistérios proporciona uma fantástica visão de planta e de técnicas construtivas de uma abastada vila romana rural, mas que mantem no desenho várias semelhanças com a domus urbana. A Vila dos Mistérios remonta originalmente ao século II a.C., mas o seu layout atual foi sendo modificado até aproximadamente o ano 62 de nossa era.

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Planta da Vila dos Mistérios. Fonte: AD79. Disponível em: https://sites.google.com/site/ad79eruption/pompeii/villas-outside-the-walls/villa-of-the-mysteries. Acesso em: 17 set. 2016.

Na figura acima, podemos localizar as seguintes áreas: (a) via superiore-vestíbulo, (b) quarto dos empregados, (c, e) sala, (d) corredor, (f) latrina, (g) peristilo, (h) torcularium, (i) cozinha secundária, (j) pátio da cozinha, (k) átrio tetrastilo, (l) tepidarium, (m, p, q, t) cubiculum, (n) oecus, (o) átrio principal, (r) tablinum, (s) varanda tipo exedra, (u) triclínio dos Mistérios Dionisíacos, (v) pórtico, (x) viridaria, (y) pórtico do sudeste.

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Vila dos Mistérios: panorama mostrando as profundas escavações e o pórtico do sudeste. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: podium com arcadas cegas e criptopórticos do sudeste. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: detalhe de coluna do pórtico sudeste e sua tecnologia de construção em alvenaria com revestimento de estuque. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: átrio principal. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: corpo de gesso no átrio principal. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: oecus (sala) ricamente ornamentada com pinturas no segundo estilo, com arquiteturas imaginárias. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: oecus (sala) ricamente ornamentada com pinturas no segundo estilo, com arquiteturas imaginárias. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vila dos Mistérios: oecus (sala) ricamente ornamentadas com pinturas no segundo estilo, com arquiteturas imaginárias. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Além de representar um belo exemplo preservado de uma vila romana, a Vila dos Mistérios é famosa pelos seus afrescos, em especial as pinturas do seu icônico triclínio. Nele está representado os Mistérios Dionisíacos ou ritos pré-nupciais. O tema da representação é um assunto muito discutido, não se sabendo ao certo qual o tema correto, devido aos elementos ambíguos que podem remeter aos dois sentidos.

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Vila dos Mistérios: triclínio dos Mistérios Dionisíacos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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