Art Nouveau – introdução

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Por Marcelo Albuquerque

Conforme nos ensina Pevsner, em Origens da Arquitetura Moderna e do Design[1], o século XX é o século das massas: educação, lazer e transporte de massa, universidades com milhares de estudantes, estádios para milhares de espectadores e hospitais com centenas de leitos. Outro aspecto é a velocidade de locomoção e energias de alta eficiência, expressões do fanatismo tecnológico de nossa época, aplicações da ciência, expressas claramente no Futurismo das primeiras décadas do século XX. Sendo assim, o tradicional campo das belas-artes recebe uma predominância da arquitetura e do design no ambiente urbano, através de novas técnicas e novos materiais que atendam a essas massas.

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Edifício Lavirotte, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

Como vimos na questão da aplicação das estruturas metálicas na engenharia, a arquitetura no inicio do século XIX recorria ao ferro de forma secundaria, cabendo aos engenheiros a concepção das grandes maravilhas estruturais, como as pontes e ao próprio Palácio de Cristal de Paxton de 1851. O Palácio de Cristal será criticado por Auguste Pugin e por John Ruskin devido à sua fraca ou inadequada estética, se levarmos em consideração a atuação desses dois no contexto do romantismo tardio neogoticista do século XIX.  Agregando as concepções de William Morris e do Arts and Crafts (Artes e Ofícios), o papel do arquiteto começa a ser refundado de acordo com as novas perspectivas postas pela realidade e pelos avanços técnicos e científicos. Como foi dito anteriormente, o Arts and Crafts estimava o artesanato frente às padronizações de gosto duvidoso da indústria de massa, formando o conceito de design, ou seja, uma fusão ideal entre o artista, artesão e arquiteto, se estendendo para a produção industrial. Veremos que a Bauhaus e os movimentos construtivistas terão essas mesmas características, porém apontando para o racionalismo ou funcionalismo das primeiras décadas do século XX.

O Art Nouveau possui como antecedentes, principalmente, o Romantismo, os Pré-rafaelitas e o Arts and Crafts, além das influências diretas do japonismo. Herda a glorificação da beleza artesanal e sua proposta de um retorno ao trabalho manual, opondo qualquer contaminação entre industrialização e natureza. Ruskin reagiu contra a impoeticidade do mundo industrial e reivindicou um retorno ao artesanato amoroso e paciente dos séculos medievais e da sociedade quatrocentista, enfatizando o misticismo e a profunda religiosidade. Suas ideias podem ser bem esclarecidas em dois importantes livros, As Sete Lâmpadas da Arquitetura (1849), e As pedras de Veneza e Natureza do Gótico (1851-53), onde disserta a respeito das impossibilidades de reconstrução e restauração dos edifícios antigos, privilegiando o aspecto de ruínas, contrastando com Viollet le-Duc, além de serem tratados sobre a arquitetura medieval e clássica. Ruskin defende o gótico e critica o classicismo, percebendo no gótico um ideal de construção comunitária.

Tanto o Arts and Crafts quanto o Art Nouveau relacionam-se com a 2ª Revolução Industrial em curso na Europa e com a exploração de novos materiais, como o ferro e o vidro. Os avanços tecnológicos na área gráfica, como a técnica da litografia colorida, tiveram grande influência nos cartazes, tipografia e artes gráficas. O termo Art Nouveau, na França, nasce da loja de Siegfried Bing, aberta em Paris em 1895, com itens do Japão, Índia e China, como cerâmicas, estampas e telas. Seu precursor foi Arthur Heygate Mackmurdo, como vimos no Arts and Crafts, através de uma ilustração para o seu livro sobre as igrejas urbanas de Wren publicado em 1883. Nessa ilustração já podemos ver as formas orgânicas e ondulantes das tulipas sem nenhuma influência aparente dos historicismos vigentes até então. Outra ilustração de Mackmurdo, para a revista Hobby Horse, chama a atenção por alinhar o desejo de renascimento ideal das guildas medievais com o modernismo orgânico que viria a caracterizar o Art Nouveau.

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Cadeira projetada por Mackmurdo. Fonte: Wikimedia Commons.

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Mackmurdo: Frontispício do Livro, 1883. Periódico Century Guild of Artists. Fonte: Wikimedia Commons.

O movimento Art Nouveau se instaura nas décadas finais do século XIX até o início do século XX, abrangendo as artes plásticas, artes gráficas, arquitetura e artes aplicadas e decorativas (móveis, têxteis, joias, etc.). O movimento também era conhecido como Flower Art na Inglaterra, Jugendstil na Alemanha, Secessão na Áustria e Arte Nova em Portugal. O Art Nouveau também se alinha ao grande movimento Simbolista do fim do século XIX e início do XX. De forma geral, as características mais importantes do Art Nouveau baseiam-se na inspiração nas formas orgânicas vegetais e animais, principalmente os insetos, como libélulas e besouros.  As linhas são dinâmicas e anticlássicas, ondulantes, semelhantes a plantas, flores, asas e membros de insetos. Pevsner salienta que o Art Nouveau, especialmente os designers, voltam-se para a natureza porque necessitavam de formas que expressassem o crescimento natural não produzido pelo homem, formas sensuais e não intelectuais[2]. O Art Nouveau busca uma integração das artes no sentido de arte total, assim como foi no barroco, guardada as devidas proporções, já que o barroco se constitui propriamente uma cultura, e não um estilo. Porém, será um estilo caro, para as classes altas e médias altas, devido ao requinte artesanal de suas formas e ornamentos. Futuramente, em oposição a isso, a ascensão da arquitetura funcionalista do século XX reivindicará uma limpeza dos excessos de ornamentos, linhas retas e claras e produção acessível para as massas.

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Retrato de A. Mucha para a impressão sobre papel fotográfico a base de sal de cozinha. Fonte: Wikimedia Commons.

Arquitetura

Cinco grandes nomes se destacam na arquitetura do estilo Art Nouveau: Henry van de Velde, Victor Horta, Hector Guimard, Jules Lavirotte e Antoni Gaudí. Credita-se à casa de Victor Horta, segundo Pevsner, o surgimento do estilo maduro na arquitetura[3]. O estilo parece superar o historicismo eclético vigente e as tradicionais ordens clássicas, porém o ecletismo irá aceitar elementos do Art Nouveau e incorporá-los às linguagens clássicas, a exemplo dos belos edifícios da cidade de Riga, na Letônia. Elementos do rococó francês são modernizados e adotados, como as chamas ou rocalhas ornamentais.

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Porte Dauphine, Paris Métro, desenhada por Hector Guimard. Edículas do metrô. 1900. Fotos: Marcelo Albuquerque, 2019.

Em Paris, Hector Guimard projetou casas e edifícios em estilo Art Nouveau com fachadas sinuosas e elegantes, como as que se encontram na rua Agar, ou o Castel Beranger, na mesma região (16º. Arrondissement), respeitando o planejamento urbano de Haussmann na escala e volume dos edifícios, porém rompendo com o padrão eclético por vezes considerado monótono pelos seus contemporâneos. Em um primeiro momento, suas curvas nos remetem à Gaudi em Barcelona, cujas sinuosidades se tornam uma marca característica, porém o arquiteto catalão vai além na excentricidade das formas, curvas e materiais empregados. Gaudí, por sua vez, apresenta uma obra tão original e fantástica, especialmente em Barcelona, que atrai milhares de turistas anualmente para contemplar a sua obra espalhada em diversos pontos da cidade. Sua formação remete às influências dos trabalhos em cobre de seu pai e ao modernismo catalão, recorrendo ao ferro como elemento ornamental para sua arquitetura, se assemelhando com as produções de Viollet le-Duc. Suas primeiras casas, como a Casa Vicens em Barcelona, e El Capricho, em Comillas, na Cantabria, possuem elementos medievalistas e mouriscos, além de comportar fundamentos decorativos e artesanais próximos aos princípios Arts and Crafts.

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Hector Guimard: 8 e 10, Rue Agar, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Hector Guimard: Castel Beranger, Paris. 1897-98. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Hector Guimard: Castel Beranger, Paris. 1897-98. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Hector Guimard: Castel Beranger, Paris. 1897-98. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Hector Guimard: Castel Beranger, Paris. 1897-98. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

O edifício Lavirotte, localizado na 29 Avenue Rapp, ​​7º arrondissement de Paris, foi projetado pelo arquiteto Jules Lavirotte e construído entre 1899 e 1901. O edifício se destaca pela sua rica fachada decorada com azulejos, cerâmicas, esculturas e ferragens Art Nouveau. Na época, Lavirotte foi premiado com a fachada mais original em 1901. O edifício apresenta elementos de fantasia excêntricos do Art Nouveau concedendo ao edifício um status de obra de arte. A equipe de artesãos responsáveis contou com os trabalhos em ferro de Dondelinger; decoração escultórica desenhada por Lavirotte e executada por Théobald-Joseph Sporrer, Firmin Michelet e Alfred-Jean Halou, e a famosa escultura da portada frontal de Jean-Baptiste Larrivé. Além das ornamentações, o edifício conta com estruturas em concreto armado e alvenaria de tijolos.

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Edifício Lavirotte, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Edifício Lavirotte, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Edifício Lavirotte, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Edifício Lavirotte, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

Pintura

Nas artes plásticas e gráficas, destacam-se Aubrey Beardsley, Alphons Mucha e Gustav Klimt. Assim como na arquitetura, uma das características mais importantes do estilo é a inspiração nas formas naturais e nos elementos do desenho e da pintura com linhas dinâmicas e sinuosas, remetendo aos temas florais e animais, bem como a valorização das chamadas artes menores, como os mosaicos bizantinos e os vitrais. A pintura Art Nouveau se insere dentro do grande grupo dos Simbolistas, como alguns pós-impressionistas, os pintores pré-rafaelitas e decadentistas, onde é comum a presença de temáticas melancólicas com a presença de figuras como a femme fatale, comuns na obra de Klimt.  A representação da femme fatale é melhor percebida nas mulheres ruivas, principalmente, incorporando a sedução, o caráter enigmático e as vezes enganador, levando à destruição do homem seduzido. Encarnam, propriamente, uma concepção de vício que atormenta a existência humana, recorrente nos temas decadentistas do final do século XIX. Elas remontam à tradição literária clássica e bíblica, como Dalila, Salomé, Judith, Helena de Tróia, as sereias, Cleópatra, Messalina, entre tantas outras. Caravaggio nos ilustra o tema com sua célebre pintura de Judith e Holofernes, por exemplo. No período romântico e simbolista é representada como uma vampira, como vemos na pintura simbolista de Edward Munch, e feiticeira sedutora com poderes mortais sobre os homens. Klimt apresenta uma versão mais elegante e imponente, como vemos em Salomé ou Judith.

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Gustav Klimt: Judith, 1900. Fonte: Wikimedia Commons.

Georges de Feure (1868-1943) foi um pintor francês e designer destacado do período simbolista e Art Nouveau, nos fornecendo um bom exemplo da integração entre a pintura e as artes decorativas e gráficas do momento. Era filho de um arquiteto holandês e estudou na Rijkscademie voor Beeldende Kunsten, em Amsterdã, mudando-se posteriormente para Paris. Foi influenciado pelas artes gráficas do período, como os cartazes Art Nouveau. Apresentou trabalhos na Exposição Universal de Paris em 1900, tendo o Museu de Orsay de Paris algumas de suas pinturas expostas. Projetou móveis como designer industrial, ilustrou cartazes e jornais e criou projetos teatrais. No mesmo caminho destaca-se Vittorio Zecchin, com sua elegante e refinada pintura As Mil e Uma Noites, um óleo e ouro sobre tela de 1914, que apresenta uma representação chapada bidimensional e decorativa, que nos remete tanto ao japonismo quanto às artes decorativas históricas, como a bizantina e seus mosaicos ricos e detalhados. Natural de Veneza, Itália, teve parte de sua formação vinculada ao trabalho tradicional em vidro de Murano, porém foi influenciado pelo Art Nouveau e pela Secessão Vienense, introduzindo nos vidros de Murano a modernidade de sua época.

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Georges de Feure: Alegoria de arte aplicada. Exposição Universal de 1900. Óleo sobre tela. 1900. Tamanho original e detalhes. Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Georges de Feure: Painel Elegante. Óleo sobre tela. 1901-03. Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Vittorio Zecchin: As Mil e Uma Noites. Óleo e ouro sobre tela. 1914. Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

Artes decorativas

A Escola de Nancy se insere no contexto da fusão ideal entre o artista, arquiteto e artesão provincial e indústrias de arte, abrigando toda a espécie de artes decorativas, assim como a criação de ambientes de ensino e cultura nacional. Émille Gallé era da mesma geração de Mackmurdo, e seus vasos de vidro e mobílias se tornaram ícones do movimento. Gallé trabalhou com seu pai em uma fábrica de móveis e estudou filosofia, botânica e desenho em sua juventude. Aprendeu as artes do vidro e esmalte, desenvolvendo um estilo original com motivos de insetos e vegetais. Dentre os membros de Nancy, destacam-se Eugène Rosseau, Antonin Daum, Eugène Vallin, Louis Majorelle e Victor Prouvé.

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Sala de jantar – Hector Guimard, 1909. Mobiliário de Henri Husson e Pierre-Adrien Dalpayrat. Vaso projetado por Hector Guimard e feito por Edmond Lachenal, em 1899. Petit Palais, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Tony Selmersheim. Cama. 1898-99. Victor Horta. Cadeiras de sala (modelo criado em 1894 para o Hotel Solvay, em Bruxelas). Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Alexandre Charpentier. Madeiramento de sala. 1901. Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Eugène Vallin (arquiteto), Victor Prouvé (conceito do mobiliário, escultura e pintura. Musée de l’Ecole de Nancy. Fonte: Wikimedia Commons.

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Hector Guimard: Vase de Chalmond au palais des beaux-arts de Lille. Fonte: Wikimedia Commons.

O pintor Paul Gauguin conduziu no artesanato e no mobiliário as experiências de seus contemporâneos no campo das artes aplicadas, levando seu primitivismo selvagem simbolista para talhas e relevos esculpidos e cerâmicas. Dentre os grandes pintores do chamado pós-impressionismo, Gauguin parece ser o único que experimentou com seriedade esse caminho, além do pintor Emile Bernard, que produziu peças de madeira e tapeçaria. Suas peças possuem um aspecto rústico, ou rude, mas que mantêm sintonia com suas pinturas vigorosas.

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Paul Gauguin e Emile Bernard: Paraíso Terrestre,1888. Gabinete de madeira esculpida e pintada. Fonte: Wikimedia Commons.

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Paul Gauguin: Objeto decorativo com deus taitiano,1893. Terracota pintada. Museu de Orsay, Paris. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

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Paul Gauguin: Embarcação. Cerâmica. Esteja apaixonado e serás feliz, 1888. Fonte: Wikimedia Commons.

Tipografia

A tipografia Art Nouveau também deve a Mackmurdo e Morris, e posteriormente a Van de Velde, que desenvolve letras sinuosas e ornamentais para a sua revista Van Nu en Straks, de 1896. A contribuição alemã vem com Otto Eckmann para a capa de As Sete Lãmpadas da Arquitetura, de Ruskin, por volta de 1900, René Wiener e Peter Behrens. Posteriormente, na Bélgica, a contribuição vem do grupo Les Vingt, responsável por difundir a arte moderna no país.

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Hector Guimard. Tipografia Art Nouveau da Estação Museu do Louvre, rue Rivoli. Foto: Marcelo Albuquerque, 2019.

Joalheria

Na joalheria Art Nouveau se destacam René Lalique e Wilhelm Lucas von Cranach. De Cranach, destaco a Borboleta estrangulada por um polvo, de 1900, e Gorgoneion, de 1902. Na primeira, suas formas remetem há um clima de ameaça e sedução fatal, enquanto a joia da górgona ruiva remete à femme fatale representada pelo mito grego. Da mesma forma, Lalique representa a ruiva, como uma libélula, em seu célebre broche de 1898.

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Wilhelm Lucas von Cranach: Borboleta estrangulada por um polvo, 1900. Fonte: Wikimedia Commons.

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Wilhelm Lucas von Cranach: Gorgoneion. 1902. Fonte: Wikimedia Commons.

[1] PEVSNER, 2001, p.7.

[2] PEVSNER, 2001, p. 73.

[3] PEVSNER, 2001, p. 43.

Arts and Crafts

Os textos e as imagens (fotografias, obras de arte e ilustrações) do autor estão protegidas pelas leis de direitos autorais – Lei 9.610/98. Nenhuma parte deste website poderá ser reproduzida ou transmitida para fins comerciais, sem prévia autorização por escrito do detentor dos direitos. Ao citar este website em demais pesquisas acadêmicas, gentileza observar as instruções acima “Como citar artigos deste website – Exemplo”. Para maiores informações, envie e-mail para: historiaartearquitetura@outlook.com, ou acesse CONTATO.

Por Marcelo Albuquerque

Diante da crise do ecletismo e no contexto das novas tecnologias de ferro, concreto armado e vidro na arquitetura, belas artes e utilitários, no decorrer do século XIX, Pevsner recorda que os arquitetos continuavam a evitar os novos materiais e se satisfaziam com efeitos góticos, renascentistas e barrocos. Até mesmo as inovações estruturais não haviam ainda sido encaradas com seriedade pelos arquitetos[1]. Para o inglês William Morris, a arquitetura era a arte maior, pois todas as outras mantinham uma dependência em relação ao espaço e ao edifício. De acordo com essa visão, sem a unidade entre arte e artesanato, a beleza está fadada a desaparecer, e os produtos fabricados se tornam toneladas de quinquilharias, endossando a visão do mau gosto que inundava o mercado com produtos de baixa qualidade estética. O Arts and Crafts valorizava a presença do artesanato frente aos excessos cometidos pelas padronizações de gosto duvidoso da mecanização da indústria de massa. Além de William Morris, destacam-se os Pré-Rafaelitas e o próprio John Ruskin, um dos maiores pensadores britânicos do século XIX, dentro do romantismo tardio.

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William Morris: tecido de mobiliário, 1883. Merton Abbey Workshop (maker), algodão estampado em bloco. Museu Victoria & Albert, Londres. Fonte: Wikimedia Commons.

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William Morris: papel de parede. Fonte: Wikimedia Commons.

Willian Morris proporcionou um renascimento do interesse pelo artesanato e pela arte industrial, estabelecendo as modernas relações entre materiais, processos, objetivos e forma estética. Suas teorias se relacionam com o romantismo alemão, pela sua profunda admiração pela Idade Média, e pelo pensamento romântico tardio inglês (Ruskin, Pugin e movimento de Oxford). Pevsner recorda: “(…) Amava a Idade Média, a natureza e o campo, odiava as grandes cidades. Sua aversão, inicialmente, era visual, mas tornou-se social quase imediatamente” (PEVSNER, 2001, p. 18). O seu socialismo é mais derivado dos ideais comunitários e corporativos medievais do que do materialismo dialético de Karl Marx, e seu medievalismo não pode ser entendido como imitação das formas medievais. O conceito de “gênio isolado” do Renascimento havia retirado, a seu ver, a grandiosidade medieval e separado a arte do cotidiano.

Para Morris e demais pensadores e membros vinculados ao Arts and Crafts, deveria haver uma fusão ideal entre o artista, o artesão e o arquiteto, além da eliminação da distinção das grandes artes, como a pintura, escultura e arquitetura, das artes menores, como mosaicos, gravuras e tapeçarias. Esse novo personagem moderno, o industrial designer, deveria ser capaz de compreender e produzir assimilando os conhecimentos técnicos e eruditos, ser um bom artesão e artista, assim como ter conhecimentos profundos de história da arte, arquitetura e filosofia. Por fim, se chegaria a uma elevação estética que colocaria a produção industrial sob controle do designer, evitando a vulgarização da arquitetura, da arte e seus derivados.

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Kelmscott Manor foi o lugar preferido de William Morris, refletindo o clima pitoresco e simples das casas de campo tradicionais da Inglaterra. Fonte: Wikimedia Commons.

Morris considerava, seguindo o pensamento romântico de Ruskin, que parte da Idade Média teve um momento ideal em termos de estrutura social e desenvolvimento artístico, quando os artistas eram trabalhadores simples e seus produtos faziam parte do cotidiano. A concepção do gênio renascentista ainda não havia chegado e, portanto, tinha-se uma equiparação entre as artes, arquitetura e mobiliário, fundamentadas no prazer artesanal do trabalho. Entretanto, Morris não recusa a máquina por enxergar que o processo industrial diminui os preços para o povo, enquanto produtos artesanais finos serão majoritariamente mais caros para o grande público. Nesse sentido, se justifica o papel do designer como criador e condutor de um processo artístico e estético na indústria.

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Philip Webb: Red House, Bexley Heath. A casa de campo (cottage) expõe tijolos vermelhos sem revestimentos, valorizando a construção dos interiores. Foi mobiliada com obras de Webb e Morris. Fonte: Wikimedia Commons.

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Philip Webb: Standen House. Fonte: Wikimedia Commons.

Morris abriu uma loja e fundou, em 1861, a firma Morris, Marshall e Faulkner, Fine Art Workmen in Painting, Carving, Furniture and the Metals, que foi o ponto de partida de toda a arte industrial e design moderno. A firma reunia alguns dos maiores artistas do país, como Gabriel Dante Rosseti, Burne-Jones e Ford Madox Brown. Não admitia nenhuma diferença primordial entre pintura e escultura da tecelagem ou desenhos de papéis de parede. Em 1880 surge o Arts and Crafts Movement como consequência das doutrinas de Morris, influenciando a criação de novas escolas e remodelando outras já existentes.

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Mobiliário inglês, 1862. Nogueira, gesso, pintura, douramento, vidro e latão. Fonte: Wikimedia Commons.

Na arquitetura, a exemplo da Red House de Philip Webb, destaca-se Richard Normam Shaw, que privilegia o uso de materiais locais em uma etapa conhecida como English Domestic Revival, que representa uma guinada dos arquitetos em direção a Morris. Esse movimento vislumbra as casas de campo revivendo materiais vernaculares como a madeira, azulejos, frontões acentuados e altas chaminés, se afastando dos estilos neogóticos e neoclássicos. Essas casas ficaram conhecidas pela simplicidade caseira e pela sofisticação. De acordo com Pevsner, a Old Swan House, em Chelsea, Londres, possui elementos na fachada que podem ser localizados historicamente, mas sua combinação demonstra a sofisticação e elegância de Shaw[2]. Segundo o autor, Webb e Shaw estabeleceram a casa de classe média como o principal reduto do arquiteto progressista.

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Richard Norman Shaw: Norman Shaw Buildings (New Scotland Yard) é um par de edifícios em Westminster, Londres. Construído entre 1887-1906. Fonte: Wikimedia Commons.

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Richard Norman Shaw: Old Swan House, Londres. Construído em 1876. Fonte: Wikimedia Commons.

O estilo Tudor Revival manifestou-se a partir da arquitetura Tudor do século XVI e da arquitetura vernacular inglesa, encontrada também em outros países que foram colônias britânicas como a Austrália e Nova Zelândia. Richard Norman Shaw e George Devey se destacam como precursores do estilo, ampliando posteriormente para as demais designações conhecidas como neorrenascentistas da Era Vitoriana, chamadas de “Free English Renaissance”, como o também conhecido estilo Jacobetano. Dentro do espírito medievalista e renascentista, a arquitetura focava nos aspectos rústicos e simples, assemelhadas com as casas de campo medievais ou dos estilos normandos com enxaimel. Nota-se a alvenaria de tijolos em espinha de peixe, longas janelas, altas chaminés, pórticos e frontões salientes com pilares e mansardas (janelas de sótão) apoiadas por mísulas. Entretanto, as construções eram caras e não populares, o que as afastava de uma socialização mais abrangente tão desejada pelos medievalistas ligados ou não ao Arts and Crafts. O estilo Jacobetano se insere dentro dos estilos Revivals baseado no renascimento inglês, popular na Inglaterra desde a primeira metade do século XIX. Nele ocorre uma predominância neogótica que pode ser chamado de isabelino, enquanto que a predominância neoclássica sobre o gótico pode ser chamada de jacobino. Sendo assim, é possível generaliza-los como Jacobetanos. Esses estilos, nos séculos XVI e XVII, antecedem a introdução do Barroco, que de certa forma não foi abrangente na Inglaterra por causa da cisão anglicana com a Igreja de Roma.

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Lybert & Co., Great Marlborough Street, Londres. Fonte: Google Maps.

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Highclere House, Hampshire. Início em 1679. Fonte: Wikimedia Commons.

Arthur Heygate Mackmurdo (1851-1942) foi arquiteto, designer e pioneiro do movimento Arts and Crafts. Estudou na Escola de Belas Artes e Desenho de John Ruskin, em Oxford, e com ele viajou para a Itália, momento em que Ruskin fazia profundas pesquisas que levariam à sua célebre obra As Pedras de Veneza, marco na história das teorias de conservação e restauração de arte e arquitetura. Ficou conhecido por seus projetos para o Hotel Savoy, casas particulares e os hotéis Cadogan Gardens. Como um homem de sua época, é influenciado pelo ecletismo clássico, porém Mackmurdo torna-se um precursor do movimento moderno Art Nouveau. Em 1882, funda, baseado nos ensinamentos de William Morris, mentor e fundador do Arts and Crafts, o Century Guild of Artists, com a intenção de produzir móveis e objetos decorativos de qualidade, dentro do princípio do industrial design, em oposição aos de baixa qualidade oferecidos pela indústria massificada. Nesse ambiente, Mackmurdo desenhou e projetou tecidos, tapeçarias, papel de parede e objetos em metal com estilos florais, anunciando propriamente o que viria a ser o Art Nouveau.

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Cadeira projetada por Mackmurdo. Fonte: Wikimedia Commons.

Esses conceitos foram a base do estilo Art Nouveau, baseado na organicidade dos reinos animal e vegetal. Os melhores arquitetos, como Peter Behrens, Bruno Paul, Hanz Poelzig, Pankok, Eckmann e o belga Van de Velde, iniciaram suas carreiras como pintores e desenhistas nesse momento. Em 1902, Van de Velde foi convidado a dirigir a escola de arte de Weimar e abriu ateliês de cerâmica e tecelagem. Em 1907, Bruno Paul instalou-se em Berlim para dirigir a Kunstgewerbeschule, no mesmo ano de fundação da Deutscher Werkbund (presidida por Walter Gropius, dez anos antes da fundação da Bauhaus). Os membros do Werkbund, sob a ótica da Sachlichkeit (objetividade), iniciaram uma reação contra o esteticismo da arte mecanizada do Art Nouveau, sem excluir em absoluto a produção artesanal. Dessa forma, o terreno estava preparado para o moderno ensino de arte protagonizado pelas experiências revolucionárias russas e da Bauhaus e, consequentemente, para a autonomia da cor dentro do ensino acadêmico.

[1] PEVSNER, 2001, p. 18.

[2] PEVSNER, 2001, p. 31.

Pós-impressionismo e a questão das cores

Por Marcelo Albuquerque

Foi no modernismo, definido aqui aproximadamente do Impressionismo até a segunda metade do século XX, que a cor alcançou formalmente uma elevação hierárquica em relação à tradição da disputa entre o desenho e a cor. Aparentemente percebe-se, com o triunfo do Impressionismo e Neoimpressionismo, visto anteriormente, que essa disputa se tornou obsoleta. Entretanto, a querela se apresenta, mesmo que veladamente, nos discursos e argumentos de artistas que teorizaram e aplicaram na prática suas pesquisas cromáticas, como os Pós-impressionistas, Matisse, Kandinsky, Itten, os Orfistas e, mais adiante, Klein e os Minimalistas. O Pós-impressionismo não foi um movimento coerente, mas um termo amplo, cunhado pelo crítico Roger Fry em 1910. Fry entendia o termo como a arte que brotava do Impressionismo ou que a ele reagia, dos impressionistas até os fauves. Atualmente, o termo é melhor associado a quatro grandes nomes: Vincent van Gogh, Toulouse Lautrec, Paul Gauguin e Paul Cézanne.

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Paul Cézanne: No parque de Château Noir, 1898-1900. Óleo sobre tela. Acervo do Museu de l’Orangerie, em exposição no CCBB-SP. Foto: Marcelo Albuquerque, 2016.

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