EDUCAÇÃO, PATRIMÔNIO E PAISAGEM CULTURAL: REFLEXÕES E PRÁTICAS NO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Artigo apresentado no I CONGRESSO INTERNACIONAL CIDADANIA, CIÊNCIAS, DIREITO E SAÚDE: REFLEXÕES TRANSDISCIPLINARES. Belo Horizonte, 2018.

Por Marcelo Albuquerque[1]

Resumo: O presente artigo é uma reflexão sobre a introdução dos conceitos fundamentais de patrimônio histórico e paisagem cultural no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UNA, visando a interdisciplinaridade entre as disciplinas de História da Arte, Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio. Entre diversos temas, foi abordado, como objeto de estudo, o conjunto do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, Minas Gerais, sendo este paradigma das discussões contemporâneas acerca do patrimônio e paisagem cultural. Através de visitas técnicas e estudos teóricos, foi observado a inserção do novo Museu de Congonhas como projeto de conservação da memória, identidade e patrimônio, sua interface entre o histórico e o contemporâneo, o controverso debate sobre a substituição dos profetas de pedra-sabão originais por réplicas, o fluxo de fiéis e comerciantes no Jubileu, os processos de conservação e restauração dos objetos artísticos e estruturas arquitetônicas, revitalizações, vandalismo e demais assuntos relacionados ao patrimônio. Sendo assim, o objetivo é apresentar a importância dos fundamentos artísticos e históricos como contribuição na formação de arquitetos e urbanistas e sua atuação profissional no campo do patrimônio histórico e artístico nacional.

Palavras-chaves: Educação, Patrimônio, Arquitetura, Arte, Paisagem cultural.

Abstract: This article is a reflection about the introduction of the fundamental concepts of historical heritage and cultural landscape in the undergraduate course in Architecture and Urbanism of the UNA University Center, aiming at the interdisciplinarity between the disciplines of Art History, Architecture and Urbanism and Heritage. Among several themes, the study of the Bom Jesus de Matosinhos Sanctuary in Congonhas, Minas Gerais, was the object of study, being this paradigm of contemporary discussions about heritage and cultural landscape. Through technical visits and theoretical studies, it was observed the insertion of the new Congonhas Museum as a project to preserve memory, identity and heritage, his interface between historical and contemporary, the controversial debate about the replacement of the original soapstone prophets and the process of preservation and restoration of artistic objects and architectural structures, revitalization, vandalism and other matters related to patrimony. Thus, the objective is to present the importance of artistic and historical foundations as a contribution in the training of architects and urbanists and their professional performance in the field of national historical and artistic patrimony. Keywords ¾ Education, Heritage, Architecture, Art, Cultural Landscape.

Resumen: El presente artículo es una reflexión sobre la introducción de los conceptos fundamentales de patrimonio histórico y paisaje cultural en el curso de graduación en Arquitectura y Urbanismo del Centro Universitario UNA, visando la interdisciplinaridad entre las disciplinas de Historia del Arte, Arquitectura y Urbanismo y Patrimonio. Entre diversos temas, se abordó, como objeto de estudio, el conjunto del Santuario de Bom Jesús de Matosinhos en Congonhas, Minas Gerais, siendo este paradigma de las discusiones contemporáneas acerca del patrimonio y el paisaje cultural. A través de visitas técnicas y estudios teóricos, se observó la inserción del nuevo Museo de Congonhas como proyecto de conservación de la memoria, identidad y patrimonio, su interfaz entre lo histórico y lo contemporáneo, el controvertido debate sobre la sustitución de los profetas de piedra jabón originales por las réplicas, el flujo de fieles y comerciantes en el Jubileo, los procesos de conservación y restauración de los objetos artísticos y estructuras arquitectónicas, revitalizaciones, vandalismo y demás asuntos relacionados al patrimonio. Siendo así, el objetivo es presentar la importancia de los fundamentos artísticos e históricos como contribución en la formación de arquitectos y urbanistas y su actuación profesional en el campo del patrimonio histórico y artístico nacional.

Palabras claves: Educación, Patrimonio, Arquitectura, Arte, Paisaje cultural.

1.    INTRODUÇÃO

Os primeiros contatos formais dos estudantes de arquitetura e urbanismo com as teorias e práticas no patrimônio, como disciplina acadêmica, além da História da Arte, Arquitetura e Urbanismo, são ideais nos ambientes das cidades históricas mineiras, devido à complexidade e variedade de assuntos que podem ser discutidos.  É importante ressaltar que uma parte dos estudantes tem escassos conhecimentos sobre a riqueza cultural de sua própria região, ignorando elementos fundamentais da arqueologia, arte, arquitetura e urbanismo, porém apresentam excelente receptividade à disciplina e aos temas relacionados. Como exemplo, uma parte considerável de alunos de Belo Horizonte e região desconhecem a importância arqueológica dos sítios de Lagoa Santa e região, como apontam Prous, Baeta e Rubbioli em O patrimônio arqueológico da região de Matozinhos: conhecer para proteger (PROUS; BAETA; RUBBIOLI, 2003). Congonhas, especificamente o Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, oferece um rico panorama sobre as questões do patrimônio, conservação, restauração, memória, paisagem cultural e interação entre obras artísticas e edificações de séculos passados com o dinamismo da contemporaneidade. Percebe-se Congonhas dentro de uma linha histórica de uma cidade que acolhe aspectos culturais, econômicos e religiosos particulares encontrados em pouquíssimas cidades do território nacional. No contexto do Santuário, surge uma paisagem que transmite tradições e valores advindos da Europa medieval, renascentista e barroca, através da tradição dos sacromontes europeus italianos e portugueses, em especial. Dessa forma, aproveita-se para traçar uma importante conexão entre a história da arte e arquitetura com a realidade direta vivenciada no curso de arquitetura e urbanismo.

Nesse sentido, desenvolve-se um debate de introdução aos autores de referência do patrimônio, conservação e restauração, principalmente os desenvolvidos no século XIX às teorias contemporâneas, além das cartas patrimoniais. Ao mesmo tempo, temos a oportunidade de refletir como as cidades constantemente se transformam, por diversas forças e fatores, e como impasses e soluções são gerados diante de tais realidades, levando em consideração a interação entre os edifícios, obras e as questões urbanas em escala maior. De início, apresenta-se uma pesquisa histórica da cidade de Congonhas, suas origens nos primórdios de Minas Gerais, a construção do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, os Passos da Via Sacra e as esculturas de Aleijadinho, para em um segundo momento apontar aspectos atuais da cidade contemporânea.

  1. METODOLOGIA

As práticas acadêmicas desenvolvidas durante este período refletem um campo fértil de debates sobre o patrimônio histórico, sua preservação e formação dentro dos ambientes de ensino, em especial nas universidades. Nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, Belas Artes (ou Artes Visuais) e Conservação e Restauração, áreas que tenho experiencia como docente, é imprescindível o estudo do Patrimônio Histórico, de forma a apresentar as possibilidades profissionais e de formação geral dentro de cada curso. O turismo, por exemplo, não visto aqui como simples entretenimento, relaciona-se diretamente ao patrimônio, estando vinculado aos investimentos e oportunidades profissionais no meio. No campo da educação e da cultura, o patrimônio histórico é fomentado por leis e programas de incentivos, em diversas instancias. No âmbito da conservação e restauração, observamos a lições de Cesare Brandi: “A restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro” (BRANDI, 2005, p. 30).

As relações entre educação e patrimônio podem partir de fundamentos tradicionais de memória e identidade, oriundos de uma formação oficial, como ocorre nas instituições religiosas e governamentais, e também a partir de manifestações populares e espontâneas, “extraoficiais”, por vezes marginalizadas, em determinados contextos. Sendo assim, considero fundamental a relação de tensão entre tradição e contemporaneidade para a abordagem de um vasto campo de pesquisa relacionado ao conceito amplo de patrimônio. Nesse rumo, as relações entre educação e patrimônio objetivam o reconhecimento, em um nível mais básico, e formação profissional, em um nível mais avançado, de indivíduos capazes de se reconhecerem e de atuarem sobre sua própria história cultural. Portanto, é importante observar que o tema pode ser entendido como um meio de afirmação da cidadania, de forma a envolver a comunidade ativamente, através de atividades teóricas e práticas, visando uma percepção abrangente da pluralidade cultural brasileira e mundial. De acordo com Queiroz (2005), a educação patrimonial torna-se um poderoso instrumento no processo de reencontro do indivíduo consigo mesmo, resgatando sua autoestima através da revalorização e reconquista de sua própria cultura e identidade, do perceber seu entorno e a si mesmo em seu contexto cultural como um todo, convertendo-se em principal agente de transformação. O amplo conceito de patrimônio cultural, relembra Queiroz, e de acordo com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), abrange não só os bens móveis e imóveis, mas toda a herança imaterial que se estabelece entre o homem e o meio, como celebrações, formas de expressão (manifestações artísticas em geral), tradições culinárias, danças, lugares, etc.

Ao estudante de arquitetura e urbanismo, em especial, é importante identificar as manifestações culturais do sítio pesquisado, através de estudos teóricos, visitas técnicas e, sempre que possível, entrevistas com os moradores das comunidades locais. Dessa maneira, os estudantes entram em contato com fontes primárias de pesquisa, se aproximando do tema através da experiencia direta na realidade. A partir desse entendimento por parte dos estudantes sobre educação e patrimônio, no processo de ensino/aprendizagem, abre-se a discussão referente aos conceitos de paisagem cultural, entendida brevemente como relação entre o homem e o meio, especialmente nas relações estéticas e de identidade, conforme nos ensinam Schama (1996), Assunto (2013) e Simmel (2009). O termo “paisagem” é por demais abrangente, não cabendo nesse momento buscar definições. Para que um determinado local seja considerado uma paisagem cultural, institucionalmente, uma chancela é atribuída pelo IPHAN, que reconhece o valor cultural daquele sítio, sendo necessário o desenvolvimento de um Plano de Gestão. Atualmente o ICOM (International Council of Museums) incentiva o debate sobre os museus de sítio, entendidos como museus que se inserem na paisagem e assumem responsabilidades vinculadas à educação patrimonial em sintonia com as comunidades locais.  A partir desses princípios percebemos, na estrutura dos novos museus, a ênfase nos departamentos ou setores educativos que, além de orientar os visitantes, oferecem suporte para as diversas categorias do ensino formal, do básico ao superior. Nesses ambientes, os estudantes de arquitetura e urbanismo tem a possibilidade de ingressar em estágios profissionais, podendo leva-los a uma tomada de decisão acerca de seu futuro profissional e acadêmico nas áreas relacionadas ao patrimônio.

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Figura 1.  Grupo de alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UNA, em diversas visitas técnicas às cidades históricas, como Ouro Preto e Congonhas. Fonte: Marcelo Albuquerque, 2017.

Os primeiros contatos teóricos são proporcionados pela apresentação das instituições, cartas patrimoniais e legislações dedicadas à conservação e restauração dos bens patrimoniais materiais e imateriais, como o IPHAN, o IEPHA-MG (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) e o ICOMOS (International Council of Monuments and Sites), entre outros. Em seguida, segue-se a leitura e comentários da bibliografia básica, como as próprias Cartas patrimoniais e os principais teóricos. Nesse momento, consolida-se a introdução do panorama histórico da ideia de monumento e patrimônio, museus e demais procedimentos discutidos e aplicados ao longo do tempo. As contribuições da química e o desenvolvimento de tecnologias são observados junto à importância da história da arte e da arquitetura.

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Figura 2. Visitas técnicas guiadas com alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UNA, a museus de São Paulo, como Pinacoteca, MASP, Instituto Tomie Ohtake e CCBB, promovido pelo Diretório Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo. Fonte: DAAU UNA, 2017.

  1. RESULTADOS

Conhecer para preservar: esta expressão ilustra bem os objetivos para alcançar os resultados. Como nos ensina Choay (2001), desde a Idade Média, especialmente em Roma, bulas e leis foram sendo elaboradas no sentido da preservação do patrimônio, atingindo um alto nível de debate durante os conturbados anos da Revolução Francesa e ao longo do século XIX. Ruskin chega a propor a criação de uma organização europeia de proteção e salvaguarda, administradas com fundos privados e doações, de forma a inventariar e intervir em monumentos antigos dignos de interesse. Para tanto, havia a necessidade de práticas específicas e pessoas especializadas para que não se comprometesse ainda mais o patrimônio histórico com práticas de caráter duvido e restaurações desastrosas. O século XX apresenta novos conhecimentos teóricos, metodológicos e científicos aliados ao aparato tecnológico. Entre os conteúdos discutidos, destaca-se a importância da conservação preventiva diante das intervenções de restauração, sendo fundamental aos estudantes leituras sobre os fundamentos de Camilo Boito, Aloïs Riegl e Cesare Brandi, entre outros, apresentando como a conservação dos monumentos históricos conquistou o status disciplinar nos dias de hoje. Entre os fundamentos observados, os mais citados pelos alunos são a singularidade da obra de arte e suas relações entre as atividades humanas e seu contexto, a conservação e restauração sem que se cometa um falso artístico ou um falso histórico, como nos orienta Brandi:

“A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” (BRANDI, 2005, p. 33).

Outro ponto forte da disciplina incide sobre o Museu de Congonhas enquanto arquitetura contemporânea, de forma a analisar sua inserção no conjunto histórico, sua missão educativa, como elemento constituinte da paisagem arquitetônica e urbana local e suas técnicas e sistemas construtivos. Ao museu cabe uma missão, dentre outras, de mediar, pedagogicamente, a relação entre o visitante e o santuário. Esse visitante, o grande publico heterogêneo e leigo em questões artísticas e arquitetônicas, tem a oportunidade de se aproximar das complexidades do rico patrimônio e de seus desafios de conservação. No museu tem-se a oportunidade de interagir com os aspectos históricos, fundação da cidade, criação e expansão do Santuário.

Durante o Projeto Aplicado (PA), os alunos precisaram desenvolver uma linha histórica comum a todos os grupos, para adiante focarem em objetivos específicos de acordo com as decisões tomadas coletivamente. Os aspectos históricos contemplam a povoação e fundação da cidade de Congonhas por colonizadores portugueses, atraídos pela exploração de ouro, fundando assim o município de Congonhas. Dentre estes mineradores portugueses estava Feliciano Mendes, enriquecido após muitos anos de trabalho, quando foi acometido de uma enfermidade, prometendo como ex-voto ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos a empreitada da construção de seu santuário, com contribuições de personalidades como Francisco de Lima Cerqueira, Aleijadinho e Mestre Ataíde. Obras análogas e relações artísticas e arquitetônicas, entre Brasil e Portugal, merecem destaque no momento em que são apresentadas e pesquisadas as influencias trazidas da Europa e construídas em solo mineiro, constituindo um exemplar único em toda a história da arte e arquitetura no Brasil. Tratam-se das concepções de sacromontes ou montes santos, difundidos na Europa medieval e bastante populares na Europa barroca católica. O santuário de Congonhas segue os princípios dos Santuários de Bom Jesus do Monte, em Braga, e do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego. Em relação aos demais pontos artísticos observados para a construção das atividades e conclusão dos artigos, os alunos precisaram dissertar a respeito de outros fundamentos, de forma a reforçar o caráter interdisciplinar do PA, como os artistas e arquitetos de referência histórica, análise estilística e formal, definindo os estilos barroco e rococó do período, especialmente o rococó, no caso do Santuário, descrição de elementos ornamentais e estruturais, como pilastras, cimalhas ou cornijas, frontões, relevos escultóricos, cantaria, entre outros, assim como um estudo básico de iconografia do Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em parte expostos no Museu de Congonhas.

Certamente os Doze Profetas em pedra-sabão de Aleijadinho despertam os maiores interesses e controvérsias dentro dos debates oferecidos pela cidade. Elas foram concebidas de maneira que se relacionem com o adro e com o conjunto, convidando o fiel a subir as escadarias para seguir na devoção. As 64 esculturas de madeira em tamanho natural, distribuídas pelas seis capelas dos sete Passos da Paixão de Cristo, compõem um dos mais belos grupos escultóricos dessa tradição de imagens sacras no mundo católico. São atribuídas a Aleijadinho as imagens das duas primeiras capelas e as imagens de Jesus em todas as outras, ficando as demais a cargo de seus auxiliares, sob sua supervisão e acabamento. Aleijadinho viria a morrer em 1814.  Posteriormente, na segunda metade do século XIX, foram construídas as demais capelas e finalizadas as policromias dos personagens da Paixão de Cristo. Em 1939 o conjunto é tombado pela SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), sendo que a primeira grande restauração do Santuário foi realizada em 1957, com ênfase nas capelas dos Passos e em suas esculturas. A restauração conseguiu remover camadas superpostas de tintas que encobriam a obra original de Aleijadinho e Mestre Ataíde. Em 1957, o Santuário foi elevado à condição de Basílica Menor, oferecendo maior incentivo à devoção a Bom Jesus de Matozinhos. Entre 1973 e 1974 ocorreu uma segunda grande restauração pelo IEPHA/MG, em convênio com o IPHAN. Foram realizadas obras de conservação, restauração e proteção do conjunto arquitetônico e paisagístico do Santuário, tendo como responsável pelas obras de restauração o arquiteto e diretor executivo do IEPHA/MG Luciano Amédée Péret com projeto paisagístico de Roberto Burle Marx. O santuário foi declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985.

O Museu de Congonhas, assim como faz com o grande público, contribuiu na escolha dos objetivos específicos a serem apresentados por cada grupo. Entre os principais temas escolhidos por eles, como objetivos específicos, estão (lembrando que os alunos deveriam privilegiar o cruzamento com a bibliografia e conteúdos das disciplinas cursadas antes e durante o Projeto Aplicado):

  • Sacromontes ou Montes Santos: história da arte e da arquitetura religiosa, tradições, costumes, iconografia e implantação no tecido urbano.
  • Teoria da restauração: autores, cartas patrimoniais e períodos de referência.
  • Substituição dos profetas de Aleijadinho por réplicas: uma das missões do Museu de Congonhas é o de apresentar a discussão ao grande público acerca da substituição por réplicas dos Doze Profetas do adro da basílica.  Por estarem ao ar livre e expostas às intempéries, o debate é aquecido pelos defensores de sua retirada e pelos defensores de sua conservação no local original. Os dois lados possuem fortes argumentos, sendo estes debatidos em sala de aula e no local no dia da visita técnica. São levadas em consideração a degradação natural, poluição e vandalismo como agentes principais de deterioração das esculturas. Foram colhidas fotografias de patologias e detalhes de degradação dos materiais e perdas de elementos artísticos decorrentes de vandalismo e intempéries, entre outros.
  • Arquitetura do museu: implantação, sistemas estruturais, materiais, técnicas construtivas, conforto ambiental, iluminação, tecnologias. Convergências com as demais disciplinas cursadas antes e durante o semestre letivo.
  • Museologia e expografia: programa museológico, diretrizes, significado religioso, significado artístico, patrimônio material e patrimônio imaterial, processo de patrimonialização do sítio, tecnologias audiovisuais e conceitos expositivos.
  • Paisagismo, entorno, sinalização: aspectos históricos, passarelas para travessia de pedestres, sinalização para deficientes visuais, mobiliário urbano, espaços de permanência, luminárias, guarda-corpos, estreitamento de pista de carros, totens, entre outros.
  • Turismo e peregrinação: romaria, fluxos e demandas, ruídos e poluição visual.
  • Órgãos competentes do patrimônio: conhecimento dos principais institutos, secretarias, fundações e programas governamentais responsáveis pelas diretrizes e financiamentos das obras em geral.

A substituição dos Profetas por réplicas leva ao questionamento de substituí-las por cópias, sendo que os originais seriam resguardados dentro do Museu de Congonhas, uma das possíveis funções do Museu no futuro. Como foi visto em aulas teóricas e na bibliografia da disciplina, este tipo de solução para conservação foi praticada em cidades europeias, em especial as italianas, onde réplicas substituem os originais, que são resguardados em ambientes cobertos ou mesmo climatizados. Os alunos tiveram, assim, contato com princípios complexos baseados na realidade direta que envolvem tomadas de decisão de grande responsabilidade. Para os defensores da preservação das obras em seu local de origem, o valor religioso das esculturas, para moradores e peregrinos, é de valor incalculável, da mesma forma que o valor artístico. Os conservadores, historiadores, arquitetos e críticos de arte que discordam veementemente da retirada das esculturas argumentam principalmente a manutenção da concepção original e da vontade do artista, bem como os prejuízos a serem causados nas questões de fé e tradições. Por serem tombados pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade, dificulta ainda mais a possível retirada dos originais. Já os que são a favor da retirada imediata, o quanto antes possível, defendem o resguardo as esculturas originais como forma de evitar mais danos e vandalismos, desacelerando fortemente os processos de degradação.

Também foi observado pelos grupos de trabalho a inserção do novo edifício do museu no conjunto arquitetônico do santuário, observando sua harmonia com o entorno.  Este ponto foi fundamental para o desenvolvimento dos artigos de Projeto Aplicado, pois foi observado a importância dos estudos de implantação e volumetria, chegando-se à conclusão que esse elemento é essencial para se evitar a competição volumétrica com o conjunto principal, fator primordial para a arquitetura contemporânea. O edifício deve, portanto, se incluir ao conjunto arquitetônico do entorno e se incorporar no contexto urbano, segundo os alunos.

  1. CONCLUSÃO

A preservação do patrimônio cultural é um grande desafio dentro das universidades, por exigir do aluno uma compreensão holística dos sentidos artísticos, arquitetônicos e urbanísticos. Dependemos também de referências bibliográficas eruditas que elevem esses alunos à patamares superiores de informação e que forneçam os fundamentos para os posicionamentos críticos e atitudes práticas e profissionais. De acordo com as observações dos alunos, o crescimento das cidades, a expansão imobiliária, o déficit habitacional e os impactos ambientais constituem fatores que desafiam os gestores públicos a confrontar o desenvolvimento eminente, com a necessidade de minimização de impactos ambientais e sociais. Neste cenário, foi observado que o Museu de Congonhas tem como objetivo armazenar e expor a história da cidade de Congonhas, criando um impacto positivo na cidade, aumentando o fluxo de turismo e proporcionando melhorias na infraestrutura geral. Os profetas de Aleijadinho proporcionam uma excelente forma para o debate sobre a preservação desses monumentos, como protegê-los e como salvaguarda-los.

Outro ponto observado pelos estudantes foi a importância, para os futuros arquitetos e urbanistas, sobre a formação teórica e prática de conservação e restauração do patrimônio cultural, sejam eles documentais, materiais, simbólicos e memoriais, essenciais à nossa identidade. Disciplinas relacionadas ao patrimônio, na formação do arquiteto e urbanista, proporcionam um avanço no entendimento do tecido urbano pré-existente. Observamos que o Museu de Congonhas é um “museu de sítio”, conceitualmente sintonizado com as discussões contemporâneas sobre patrimônio, tratando as manifestações da fé, devoção, monumentalidade e ex-votos. Foram desenvolvidos textos e imagens que sustentam as pesquisas e argumentos dos grupos de alunos, através de revisão bibliográfica e visitas técnicas a museus e acervos. Amparados pelas aulas ministradas, as visitas proporcionaram a percepção, com maior clareza, dos impactos dessas mudanças na vida econômica, social e cultural de Congonhas, mas que poderiam ser aplicadas em outros sítios. Como professor, atentei para os diversos elementos propostos na disciplina, como a compreensão da riqueza e complexidade do barroco e do rococó no Brasil, a importância da preservação e restauração para o arquiteto e urbanista, conhecimento dos principais centros de estudos e instituições de conservação e restauração no Brasil, de forma a despertar para as possibilidades profissionais e de pesquisa nas áreas do patrimônio artístico e histórico. Sendo assim, foi solicitado uma posição crítica em relação à pesquisa, através de perguntas básicas: Qual o papel e a responsabilidade do arquiteto no contexto pesquisado? A população, de forma geral, compreende a importância do patrimônio estudado? Existe documentação suficiente? Seria necessária maior pesquisa sobre o local?

REFERÊNCIAS

ASSUNTO, Rosario. A paisagem e a estética. In: SERRÃO, Adriana Veríssimo. Filosofia da paisagem: uma antologia. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2013, p. 341-375.

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

CHOAY, FrançoiseA alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

ELIAS, Lucienne Maria de Almeida. Diagnóstico de Conservação do Conjunto Escultórico da Capela da Ceia do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais, Brasil. Dissertação de Mestrado do Curso de Artes, área Conservação Preventiva, Escola de Belas Artes, UFMG, 2002.

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GUSTAVO PENNA ARQUITETO E ASSOCIADOS. Projetos – Institucionais – Museu de Congonhas. Disponível em <http://www.gustavopenna.com.br/projetos/exibir/museu_de_congonhas/41&gt; Acesso em: 20 abr. 2017.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins fontes, 1997.

MACHADO, Jurema. Museu de Congonhas: relato de uma experiência. Brasília: UNESCO, 2017. 96 p.

OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. História da Arte no Brasil: textos e síntese. Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Sonia Gomes Pereira e Ângela Ancora da Luz. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.

OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

PROUS, André; BAETA, Alenice Motta; RUBBIOLI, Ezio. O patrimônio arqueológico da região de Matozinhos: conhecer para proteger. Belo Horizonte: Ed. autor, 2003.132 p.

QUEIROZ, Moema Nascimento. Consciência Patrimonial: construção da cidadania. IN: Curso de Capacitação Museológica: Recriando o museu. Outubro 2005.

SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 645 p.

SIMMEL, Georg. A Filosofia da Paisagem. Tradução de Arthur Mourão. Covilhã: Lusosofia:press, 2009.

[1] Mestre em Artes Visuais pela EBA-UFMG, especialista em História da Arte pela PUC-MG, bacharel em Belas Artes pela EBA-UFMG, pintor e desenhista. Professor de graduação em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UNA de Belo Horizonte e Contagem –  marcelo.correa@prof.una.br 1

Grand Tour

Por Marcelo Albuquerque

Viagens à Itália, em especial para estudar a Antiguidade, sempre pautaram roteiros de artistas, arquitetos e estudiosos. O Grand Tour era um tipo de viagem tradicional que percorria a Europa central, com destino final na Itália, realizada em geral por jovens europeus e americanos das classes mais abastadas ou que eram apadrinhados com bolsas de estudo, com o objetivo de complementar a educação erudita, especialmente nas artes, arquitetura, culturas regionais, línguas estrangeiras e política. As viagens tornam-se populares em meados do século XVII, continuando até o surgimento de um itinerário fixo decorrente do transporte ferroviário em larga escala, em meados do século XIX. Esse período é considerado como o início da ideia de turismo de massas, principalmente após as viagens ferroviárias. Esses viajantes compravam e encomendavam pinturas das ruínas e dos locais visitados, fomentando o gosto historicista dos séculos XVIII e XIX, como vemos nas obras de Piranesi ou Panini e nos antiquários locais.

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Viagem à Itália, de Goethe. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Os pontos máximos e sofisticados do Grand Tour abordavam o legado cultural e erudito da Antiguidade Clássica greco-romana, medieval e renascentista, oferecendo a oportunidade única e rara de ver obras de arte emblemáticas e peças musicais inéditas. Os roteiros eram semelhantes aos percursos habituais de peregrinações religiosas católicas e protestantes, porém sem o caráter religioso. Desde os tempos de Albrecht Dürer ao barroco, essas viagens eram consideradas essenciais para os jovens artistas e para suas formações acadêmicas na pintura, escultura e arquitetura. Outro fator importante para o interesse no Grand Tour foram os impulsos neoclássicos com as primeiras escavações arqueológicas das cidades romanas de Herculano e Pompeia, a partir de 1738. Entre as obras de grande prestígio, decorrente dessas viagens, está Viagem à Itália, de Goethe. O pensador alemão, em sua passagem pelo vêneto, demonstra sua admiração pela obra de Palladio:

(…) De todos os lados, porém, a Rotonda apresenta uma visão magnífica. Sua massa central, em conjunto com as colunas à frente, movimenta-se com grande diversidade aos olhos dos que passeiam pela redondeza, e o proprietário, desejoso de legar um grande fideicomisso e, ao mesmo tempo, oferecer aos sentidos um monumento a lembrar-lhe a riqueza, decerto teve ali sua intenção realizada. E assim como, vista de qualquer ponto da região, a edificação apresenta-se magnífica, também a visão que se descortina a partir de seu interior é das mais agradáveis (GOETHE. Viagem à Itália. 1786-1788, p. 65).

O célebre historiador Edward Gibbon também teceu elogios ao Grand Tour como forma de obtenção de conhecimentos essenciais para os historiadores e eruditos em geral.

Viagem à Itália – Sugestão de roteiro – 12 dias

Por Marcelo Albuquerque

Roma

DIA 01: COLISEU – FÓRUM – PALATINO

Coliseu (comprar Romapass ao chegar em Roma). Arco de Constantino. Fórum Romano: Antiquarium Forense: museu do fórum. Junto ao Templo de Vênus e Roma. Arco de Tito. Via Sacra. Basílica de Constantino. Templo de Antonino e Faustina. Arco de Sétimo Severo. Templo de Saturno. Casa das Virgens Vestais. Templo de Vesta. Cúria. Palatino: Domus Flavia. Domus Augustana. Casa de Lívia. Stadium. Templo de Cibele. Cabanas de Rômulo. Museu do Palatino, Jardins Farnese. Fórum de Trajano: Fórum de Cesar, Augusto e Nerva. Fórum e Mercado de Trajano. Coluna de Trajano. Torre dele Milizie. Casa dos Cavaleiros de Rodes.

DIA 02: CAMPIDOGLIO – FÓRUM BOÁRIO – TRASTEVERE

Piazza Venezia. Monumento Vittorio Emanuelle II: subida ao mirante. Insula. Scalinata dell’Aracoele. Santa Maria in Aracoele: antigo templo de Juno. Museus capitolinos. Palazzo Nuovo, Palazzo dei Conservatori e Tabularium. Caminhada pelas bases do Capitolino e Palatino. Teatro de Marcelo – Templo de Apolo – Pórtico de Otavia. Nossa Senhora da Consolação – via de San Teodoro. Santa Anastasia al Palatino. Circo Massimo. Santa Maria in Cosmedin. Fórum Boário: templos de Portuno e Hercules. Boca da Verdade. Arco de Jano. São Jorge Velabro. Vista do Tibre para a Ponte Rotto e Ponte Palatino. FIM DE TARDE: Trastevere: bares e restaurantes. Santa Maria in Trastevere.

DIA 03: PIAZZA NAVONA – PANTEÃO – FONTANA DE TREVI

Il Gesu: ícone de igreja jesuíta e barroca. Largo da Torre Argentina. Sant Andrea della Vale. Piazza Navona. Fonte dos Quatro Rios – Bernini. St Agnese – Borromini. San Luigi dei Francesi – Caravaggios. Palazzo Madama – fachada – Senado italiano. Santo Ivo alla Sapienza – Torre em espiral – Borromini. Panteão. Piazza della Minerva – Elefante de Bernini – Santa Maria sopra Minerva. Caminhada pela via dei Pastini – Templo de Adriano. Coluna de Marco Aurélio. Fontana de Trevi.

DIA 04: VATICANO

Museus Vaticanos (maior parte do dia – comprar os ingressos com antecedência pela internet). Piso inferior: Museu Egípcio. Museu Pio-Clementino. Museu Pio-Cristão. Capela Sistina. Biblioteca do Vaticano. Bracio Nuovo. Museu Chiaramonti. Sala da Cruz Grega. Sala Redonda. Pinacoteca. Museu Gregoriano Profano. Piso superior: Salas de Rafael – Academia de Atenas. Museu Etrusco. Galeria das Tapeçarias. TARDE: Basílica de São Pedro. Scavi: subsolo da basílica de São Pedro (reservar antes). Subida até a cúpula de Michelangelo. Fim da tarde: passeio no entorno do Castelo de Santo Ângelo (se puder entrar melhor).

DIA 05: QUIRINAL – PIAZZA DI SPAGNA: DESTAQUE PARA A ARTE E ARQUITETURA BARROCA

Galeria Borghesi. Termas de Diocleciano. Basílica de Santa Maria degli Angeli (Michelangelo). Museu Nacional Romano. Santa Maria dela Vitoria – Êxtase – Bernini – Fontana di Mosé. Via alle Quattro Fontane – Palazzo. Viminale. San Carlo alle Quattro Fontane – Borromini. Piazza dei Spagna. Trinita dei Monti – Panorâmica de Roma. Piazza del Popolo. Santa Maria in Montesanto e dei Miracoli. Santa Maria del Popolo – Caravaggios. Porta del Popolo.

DIA 06: AVENTINO – TERMAS DE CARACALA – VIA APPIA – CATACUMBAS DE CALISTO (PASSEIO DE VAN)

Basílica de Santa Sabina. Parque de Santo Alessio: vista de Roma. Termas de Caracala. Via Appia. Igreja Quo Vadis. Catacumbas de Calixto. Parque dos Aquedutos.

Siena

DIA 07: SIENA

Catedral. Biblioteca Piccolomini. Museu do Domo. Batistério San Giovanni. Piazza del Campo. Palazzo Publico. Basílica de San Domenico. Tarde livre.

DIA 08: SIENA – MONTERIGGIONE – SAN GIMIGNANO – FLORENÇA

Florença

DIA 09: SANTA MARIA DEL FIORE – PIAZZA DELLA SIGNORIA – PONTE VECCHIO – PIAZZALE MICHELANGELO

Santa Maria del Fiore. Domo de Brunelleschi. Piazza della Signoria. Palazzo Vecchio: museu e torre. Corredor Vasari. Ponte Vecchio. Palazzo Piti – fachada (se tiver tempo, entrar nos jardins de Boboli). Piazzale Michelangelo: pôr-do-sol.

DIA 10: GALLERIA DEGLI UFFIZI – SAN LORENZO (CAPELA MEDICI)

Galleria degli Uffizi. San Lorenzo. Capela Medici. Palazzo Medici-Ricardi.  Santa Maria Novela. Palazzo Rucellai – fachada. Santa Croce. Capela Pazzi – Brunelleschi. Tarde Livre. Galleria dela Academia (Davi de Michelângelo) – opcional.

DIA 11: FLORENÇA – PISA – LUCCA

Veneza

DIA 11: PIAZZA DE SAN MARCO – PONTE DO RIALTO

Vaporetto passando pelo Grande Canal completo e Praça de São Marcos. Basílica de São Marcos. Ponte dos Suspiros. Piazza San Giovanni e Paolo. Estátua equestre de Verocchio. Santa Maria dei Miracoli. Ca D’Oro. Caminhada até a Ponte do Rialto.

DIA 12: DORSODURO

Basílica Santa Maria dela Salute. Collezione Peggy Guggenheim. Academia de Belas Artes. Grande Canal. Tarde livre.

DIA 13: RETORNO

O Tempietto de Bramante e o Gianicolo

Por Marcelo Albuquerque

O Tempietto, no monte Gianicolo, antiga colina de Roma, dentro do complexo de San Pietro in Montorio, foi construído por Donato Bramante entre 1502 e 1509. É uma grande joia arquitetônica do Renascimento inspirado no tholos clássico, conhecido por sua investigação proporcional e geométrica na relação entre as partes. Construído no meio de um dos pátios do mosteiro, é composto de uma colunata dórica de granito cinza, com entablamento com frisos e decorado com métopas e triglifos. O templo, muito pequeno, tem forma circular e um corpo cilíndrico com diâmetro de apenas 4 metros, pois tem uma função puramente simbólica e memorial, mais do que um espaço dedicado às funções litúrgicas. A forma cilíndrica foi cuidadosamente transformada no interior, com altos e profundos nichos, quatro dos quais recebem pequenas estátuas dos evangelistas, enquanto no altar está uma estátua de São Pedro. O suntuoso piso é feito inteiramente com azulejos policromos de mármore, em estilo cosmatesco medieval, mas que havia voltado à moda no final do século XV. A cúpula foi projetada em concreto e tomou como modelo o Panteão, colocada sobre um tambor decorado por pilastras formando um sobreposto com as colunas. Sob o templo, há uma cripta também circular, cujo centro indica o local onde foi plantada a cruz do martírio de São Pedro. A ideia de Bramante nasceu do desejo de criar um edifício que iria seguir o exemplo das primeiras e pequenas construções circulares cristãs usadas geralmente como martirya, fundamentadas no tholos greco-romano. A influência do pequeno templo é colossal, vista na cúpula da Basílica de São Pedro, de Michelangelo, e no Capitólio, em Washington DC, ou mesmo no Panteão, em Paris.

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Tempietto de Bramante. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Tempietto de Bramante localiza-se no monte Gianicolo (Janículo, em português), antiga colina de Roma, dentro do complexo de San Pietro in Montorio. A colina não faz parte do grupo das sete colinas tradicionais, ligadas às origens de Roma. O nome da colina, segundo a tradição, deriva do deus Janus, o deus de duas faces, ainda dos tempos dos etruscos. A colina não fazia parte da antiga Muralha Servia, mas foi incluída parcialmente nas Muralhas Aurelianas. Na encosta oriental que desce para o rio Tibre localiza-se o distrito histórico de Trastevere, enquanto a ocidental leva ao bairro moderno de Monteverde. É um dos pontos turísticos mais atrativos da cidade, com vistas panorâmicas da cidade velha, abrigando monumentos arquitetônicos, igrejas e fontes. Nos tempos antigos estava coberta de bosques sagrados dedicados a diversos deuses pagãos, incluindo a deusa egípcia Isis. Dentre as atrações do Gianicolo, destacam-se o monumento equestre a Giuseppe Garibaldi, a Villa Doria Pamphili, Villa Corsini, igrejas e conventos como San Pancrazio, San Pietro in Montorio e o Convento de S. Onofrio.

Tempietto de Bramante. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.
Tempietto de Bramante. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

O Gianicolo tornou-se, após a unificação da Itália, no século XIX, um grande parque público e memorial do Risorgimento. Em 1849, liderados por Giuseppe Garibaldi, na colina teve lugar a última forte defesa da República Romana proclamada no mesmo ano. No ponto mais alto da colina foi colocada a estátua equestre de Garibaldi, concebida por Emilio Gallori, inaugurada em 1895, e de Anita Garibaldi, obra de Mario Rutelli, de 1932, em colaboração com Silvestre Cuffaro. Na encosta, ao longo do caminho que desce para o Vaticano, foi colocada uma série de bustos de mármore de retratos de guerrilheiros famosos. Perto da estátua de Garibaldi foi colocado um canhão que dispara, ao meio-dia, um tiro. Pode-se observar também o Ossuário de Garibaldi, um monumento de feição neoclássica do período fascista de Mussolini. Foi desenhado pelo arquiteto Giovanni Jacobucci (1895-1970) e solenemente inaugurado em 1941, contendo os restos mortais de combatentes referentes às batalhas até a década de 1870.  Em uma área cercada, um pórtico austero em mármore travertino, constituído por três arcos de volta perfeita de cada lado, contém o núcleo do monumento: um altar esculpido de um único bloco de granito vermelho, adornado com alegorias da Roma Antiga, como a loba, a águia imperial, escudos e espadas. Acima dos arcos vemos as palavras “Roma o morte”. No local são realizadas celebrações oficiais.

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Ossuário de Garibaldi, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vista de Roma a partir do Acqua Paola. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Placa da Academia de Espanha na entrada do Tempietto. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

A igreja de San Pietro in Montorio, onde se situa o Tempietto de Bramante, é o local que, segundo a tradição, tinha sido crucificado São Pedro, local citado desde o final da Alta Idade Média, por volta do século IX.  No local foi erguido um mosteiro para os beneditinos, e no século XV, já em ruínas, passa para os franciscanos, que restauram e ampliam o complexo, reerguendo uma nova igreja, dentro de um programa de desenvolvimento planejado por Sisto IV. As obras foram financiadas por monarcas como Luís XI de França e Ferdinando II e Isabel de Castela, reis de Espanha. A igreja foi consagrada pelo Papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia) em 1500. O complexo sofreu graves danos nas mãos dos franceses, quando Napoleão III interveio para acabar com a segunda República romana de 1849. Durante a defesa do Gianicolo, a igreja foi usada como um hospital, além de ter sido saqueada.

Igreja de San Pietro in Montorio. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Atualmente pertence à Real Academia Espanhola, em Roma (existem vários edifícios de Espanha na Via Garibaldi até a Piazza San Pietro in Montorio, pertencentes à embaixada espanhola). A igreja possui obras de artistas eminentes dos séculos XVI ao século XVII, como Sebastiano del Piombo, Pomarancio, afrescos da escola de Pinturicchio, atribuições de Baldassare Peruzzi e Francesco Baratta. Até 1797 a Transfiguração de Rafael estava no altar-mor, quando foi retirado pelos franceses mas devolvido em 1816, quando passou para a Pinacoteca do Vaticano, sendo substituído por uma cópia da Crucificação de São Pedro de Guido Reni. A segunda capela do lado esquerdo, a Capela Raimondi (1640), foi projetada por Gian Lorenzo Bernini.

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Interior da igreja de San Pietro in Montorio. À esquerda, a Capela Raimondi, com o relevo do Êxtase de São Francisco, de Francesco Baratta, 1640. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Na rampa chamada Via S. Pietro in Montorio, que encurta o caminho da Via Garibaldi até a praça da igreja, foram erguidas, em 1957, as estações da Via Crucis feitas de terracota policromada pelo escultor Carmelo Pastor, no lugar de outra que estava em ruínas.

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Via Crucis in San Pietro in Montorio, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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O Aventino visto do Gianicolo. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

A fonte Acqua Paola está localizada no topo do Gianicolo, próximo ao Ossuário de Garibaldi. No passado, era o terminal de abastecimento da Acqua Paola (aqueduto de Trajano), restaurada entre 1608 e 1610 pelo Papa Paulo V, responsável pelo abastecimento de áreas como o Trastevere e o Vaticano. De monumental beleza, é um dos principais cartões postais da cidade. A metade inferior é composta por arcos, sendo três grandes arcos centrais ladeados por dois menores, separados por colunas em altos pedestais. A metade superior, acima dos três arcos centrais, é ocupada por uma grande inscrição que testemunha a construção da fonte, como um ático de arco de triunfo. A estrutura é coroada com um enorme brasão do Papa (Borghese) no frontão, ladeado por dois anjos esculpidos por Ippolito Buzzi (1562-1634). Parte de seus mármores foram retirados do fórum de Nerva.

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Aqua Paola. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Acqua Paola. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

A Fonte da Prisão está localizada na Via Goffredo Mameli com a Via Luciano Manara, na descida do Gianicolo para o Trastevere. O nome “Prisão” advém da figura de mármore que aparentava ser um prisioneiro que tenta libertar-se da matéria, de acordo com descrições do século XVII. Esta escultura seria parte de um grupo mitológico maior, hoje perdido, inserido no nicho da fonte. Foi terminada em 1587 quando da renovação e restauração da antiga Acqua Alexandrina, porém esta foi desmontada e remontada na posição que ocupa desde 1923.  Seu desenho consiste em um grande nicho em semi-cúpula delimitado por duas pilastras que sustentam o frontão decorado com guirlandas e cabeças de leão (símbolo heráldico de Sisto V). Na base, estão bacias que recebem águas das torneiras, enquanto a cabeça de um leão, no centro, verte água na bacia ao nível da rua. A fonte é ladeada por duas grandes volutas.

A Fonte da Prisão. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Vista de Trastevere, abaixo do Gianicolo. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Descendo o Gianicolo, em direção ao Campo de Marte e ao Vaticano, encontramos joias da história da arquitetura, como a Porta Settimiana. Ela é uma das portas que restaram das Muralhas Aurelianas de Roma, concebido pelo imperador Aureliano, no século III d.C.

Porta Settimiana. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Ordens clássicas

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Por Marcelo Albuquerque 

Ordem dórica

A ordem dórica surge por volta de 600 a.C., quando os gregos começaram a imitar em pedra as estruturas templárias (ver Templos e tipologias greco-romanas). Para Summerson, quando vemos um templo dórico de pedra estamos vendo uma representação esculpida em pedra de uma ordem dórica construída em madeira, ou seja, um equivalente escultórico. Provavelmente os templos mais sagrados e ricos foram sendo reconstruídos em pedra, gradualmente. Entretanto, as formas sagradas deveriam ser preservadas, de forma que a pedra imitasse a carpintaria e acabamentos estilizados em madeira. Posteriormente, os templos foram copiados e replicados sistematicamente, tornando seus desenhos consolidados e estáveis.

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Ordem dórica. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_d%C3%B3rica. Acesso em: 20 jan, 2017.

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Pilastra de ordem toscana, muitas vezes associado ao dórico pelos romanos, e uma pequena pilastra de ordem coríntia, à direita, na Sala da Loba Capitolina, nos Museus Capitolinos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

A ordem dórica é a mais antiga, desenvolvida no continente grego, cujo capitel aparenta uma almofada que assenta a arquitrave sobre as colunas. De acordo com Vitrúvio, é principalmente empregada nos templos dedicados a divindades masculinas, como o templo na Jônia de Apolo Paniônio, por causa da proporção, solidez e elegância de um corpo viril, como foi visto primeiramente em um templo desse gênero nas cidades de Dóride. Se relaciona aos princípios espartanos de rudeza e força. É a mais simples das três ordens gregas definindo um edifício em geral baixo e de carácter sólido. A ordem dórica, ao lado da toscana, é apontada como a construção mais barata entre as outras ordens, devido à simplificação de elementos ornamentais que encareceriam uma edificação.

A coluna dórica constitui-se do fuste (a coluna em si) e o capitel (o coroamento da coluna), mas não possui base, tradicionalmente[1]. Tradicionalmente, a coluna dórica não tem base. Tem aproximadamente seis vezes o tamanho do diâmetro da coluna em altura. O fuste é raramente monolítico e pode apresentar vinte estrias ou sulcos verticais, segundo Vitrúvio, denominadas caneluras. O capitel é formado pelo équino, ou coxim, que se assemelha a uma almofada e por um elemento quadrangular, o ábaco, esculpido no mesmo bloco do capitel, apesar de não aparentar. A cornija apresenta-se horizontal nas alas, quebrando-se em ângulo nas fachadas de acordo com o telhado de duas águas. Os mútulos parecem extremidades de madeira que se projetam para suportar os beirais que evitam que as águas das chuvas escorram pelas fachadas. O friso é intercalado por módulos compostos de três estrias verticais, os triglifos, com dois relevos consecutivos lisos ou decorados, chamadas métopas. Os triglifos se assemelham às extremidades das ancestrais vigas de madeira visíveis do lado externo do entablamento, apoiadas na arquitrave. A tenia se assemelha a um elemento de junção, uma cavilha de madeira, presos aos triglifos pelas gotas. As gotas têm forma de um tronco de cone ou tronco de pirâmide.

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Gotas ornamentais em porta de madeira do CCBB BH. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Ordem jônica

A ordem jônica desenvolvida na região da Jônia, nas ilhas orientais gregas, remete a elementos vegetais estilizados com quatro volutas no capitel[2]. Foi relacionada por Vitrúvio com o feminino e à delicadeza da mulher, para o templo jônico de Diana. Segundo o tratadista, a coluna possui uma base larga, com uma espira imitando um sapato, que dá mais impulso estético e leveza. A coluna possui geralmente de oito a nove módulos de altura. O fuste é mais elegante e apresenta vinte e quatro caneluras, remetendo às pregas do vestuário feminino. O capitel acentua a analogia feminina por representar cabelos encaracolados sobre as orelhas. Remete-se também à analogia vegetal da coluna como uma palmeira, devido à influência orientalizante, como visto no Oriente Médio. Os ornamentos, como óvulos, dardos e festões, podem remeter aos ornamentos femininos de madeixas, comenta Vitrúvio.

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Ordem jônica no Templo de Saturno do Fórum Romano, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Ordem jônica. Adaptado de Wikimedia Commons, por Marcelo Albuquerque, 2017.

Ordem coríntia

A ordem coríntia possui folhas de acanto ornamentais, sendo a ordem mais prestigiada entre os romanos. De acordo com Vitrúvio, as colunas coríntias possuem as mesmas comensurabilidades que as jônicas, com exceção dos capitéis, porém proporcionalmente um pouco mais altas e mais delgadas. Os elementos sobre as colunas podem ser dispostos segundo o modo dórico e jônico. Se relacionam com a delicadeza virginal das donzelas em tenra idade, porque possuem uma configuração de membros mais grácil e adornos mais belos. De acordo com Summerson, a ordem coríntia sempre foi vista como feminina, enquanto a dórica como a  ordem masculina. A ordem jônica, segundo o autor, seria algo assexuado, no meio do caminho. A ordem coríntia também é escolhida por transmitir as ideias de opulência, abundância e luxo e, se comparada à ordem dórica, possui custos mais elevados de construção devido ao grande número de ornamentação.

Capitel coríntio no Capitolino. À direita, capitel coríntio, da época de Nero. Mármore Pentélico. Museu do Palatino, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Segundo a lenda descrita por Vitrúvio, uma virgem de Corinto foi acometida por uma enfermidade e faleceu. Após seu sepultamento, sua ama reuniu e dispôs num cesto as poucas coisas às quais ela se afeiçoara enquanto vivera. A ama levou o cesto a seu túmulo e colocou sobre ele um pequeno teto, para que os pertences se conservassem melhor. O cesto havia sido colocado casualmente sobre raízes de acanto, uma típica planta do Mediterrâneo, que verteram, com o passar do tempo, folhagens e hastes em volutas. Calímaco, então, em virtude da elegância e da graça de sua arte de trabalhar o mármore, passando perto desse monumento, reparou no cesto e na delicadeza da folhagem e, encantado, executou para os coríntios colunas segundo esse modelo e instituiu suas proporções.

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Johann Christian Reinhart: A invenção do capitel coríntio por Calímaco. 95,8 x 135 cm. Óleo sobre tela, 1846. Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://de.wikipedia.org/wiki/Johann_Christian_Reinhart. Acesso em: 20 jan, 2017.

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Capiteis coríntios no Panteão, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Base de plinto de coluna coríntia do pórtico do Panteão, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

 Ordem compósita

A ordem compósita é de origem romana, se caracteriza basicamente pela junção e sobreposição da ordem jônica sobre a coríntia. A ordem Compósita, até então considerada um desenvolvimento da Coríntia, foi descrita por Alberti, em De re aedificatoria. Serlio também a aponta a ordem coríntia nas pilastras do último nível da fachada do Coliseu, segundo Summerson.

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Capitel de pilar de ordem compósita, acervo do Museu do Palatino. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Ordem toscana

A ordem toscana tem origem na arquitetura etrusca. A ordem toscana se assemelha à ordem dórica, sendo também chamada de dórico romano. Segundo Vitrúvio, as colunas devem ter um diâmetro de base correspondente à sétima parte de sua altura, e uma altura igual a um terço da largura do templo, entre outras proporções descritas com maiores detalhes. Seus capitéis são redondos e possuem toros (anéis).

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Capiteis toscanos da colunata de Bernini, no Vaticano. Século XVII. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Templo Etrusco de Alatri, cujos capitéis de assemelham ao toscano. Museu Nacional de Villa Giulia, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015. À direita, esquema de ordem Toscana, segundo Vignola. Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://it.wikipedia.org/wiki/Ordine_tuscanico. Acesso em: 20 jan, 2017.

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Templo de Antonino e Faustina

Por Marcelo Albuquerque

O Templo hexastilo de Antonino e Faustina, na Via Sacra do Fórum Romano, ainda conserva as colunatas e parte de seu entablamento original. Foi transformado na igreja de San Lorenzo in Miranda, por volta do século VII, o que acabou por ajudar a preservá-lo. Acredita-se que São Lorenzo tenha sido martirizado nesse local. O templo foi construído em 141 pelo imperador Antonino Pio e era inicialmente dedicado à sua falecida e deificada esposa, Faustina. Antonino foi deificado depois de morrer em 161, e o templo foi rededicado ao casal por Marco Aurélio. A igreja foi reconstruída no estilo barroco em 1602, com projeto de Orazio Torriani, ocupando a cella do templo.

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Templo de Antonino e Faustina, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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As ordens e os conceitos gerais da linguagem clássica

Por Marcelo Albuquerque

“Não me cansei de admirar-lhe a fachada, a maneira genial e coerente com que o artista a tratou. A ordem é coríntia, e o intercolúnio, pouco superior a dois módulos. As bases das colunas e os plintos sob elas parecem erguer-se sobre pedestais, mais isso é apenas aparência, pois o estilóbata é atravessado por cinco degraus, que, por entre as colunas, sobem rumo à superfície sobre a qual estas verdadeiramente se assentam e de onde se tem, de fato, acesso ao interior do templo. A ousadia de se recortar o estilóbata revelou-se aqui a solução correta; considerando-se que o templo situa-se na encosta da montanha, a escada que sobe até ele teria, do contrário, que principiar muito antes, o que teria estreitado a praça. Impossível determinar quantos degraus havia originalmente à exceção de uns poucos, eles estão todos enterrados e cobertos pelo pavimento (GOETHE, Viagem à Itália, p. 138).”

Na citação acima, do belíssimo livro de Goethe, Viagem à Itália, o pensador alemão se refere à igreja de Santa Maria sobre Minerva, em Assis. Ele descreve com emoção seu encontro com o edifício apresentando alguns elementos importantes que precisamos compreender para analisarmos as obras clássicas da arquitetura.

Segundo Summerson[1], um edifício clássico é aquele cujos elementos decorativos derivam direta ou indiretamente do vocabulário arquitetônico do mundo clássico, e que o objetivo dessa arquitetura sempre foi alcançar uma harmonia inteligível entre as partes. Essa harmonia inteligível possui variações dominantes denominadas “ordens”. Da mesma forma que a música, a harmonia é alcançada pela proporção de todas as partes de um edifício, cujas funções aritméticas estejam relacionadas entre si. Para o renascentista, a harmonia era alcançada pelo uso de uma ou mais ordens como componentes dominantes. Muitos arquitetos modernos, recorda Summerson, como Auguste Perret, um dos grandes introdutores do concreto armado aparente na arquitetura, são clássicos, pois concebem de acordo com o espirito clássico com materiais contemporâneos[2]. Uma ordem consiste na unidade “coluna-superestrutura” de um templo clássico, centrada nas colunas, entablamentos e cornijas. As ordens se constituem basicamente de um sistema arquitravado (pilar e viga). Um dos maiores legados arquitetônicos dos romanos foi combinar as ordens com os arcos. Segundo Summerson:

As ordens passaram a ser consideradas a pedra de toque da arquitetura, os instrumentos de maior sutileza possível, corporificando toda a sabedoria acumulada pela humanidade na Antiguidade no que diz respeito à arte de construir – quase que produtos da própria natureza (SUMMERSON, 2009, p. 8).

Igreja de Santa Maria sobre Minerva (Assis). Fonte: Wikipedia (domínio público).

A mais antiga descrição de uma ordem encontra-se em Vitrúvio. Vitrúvio, segundo M. Justino Maciel e Renato Brolezzi[3], tornou-se interlocutor obrigatório da tratadística arquitetônica, tanto para arquitetos quanto para pintores, escultores e músicos. Seu tratado foi o único da Antiguidade que sobreviveu, tornando-se a autoridade maior no assunto. Dos gregos não chegou nada até nós, cabendo a Vitrúvio a transmissão dos conhecimentos e práticas dos helênicos, por escrito, a partir do mundo romano. Sua obra influenciou personalidades e tratados renascentistas, maneiristas e barrocos, assim como os neoclássicos dos séculos XVIII e XIX. Alberti acrescentou a quinta ordem, a compósita, às quatro ordens descritas por Vitrúvio (dórica, jônica, coríntia e toscana). Os tratadistas italianos mais importantes foram Sebastiano Serlio (1537), Vignola (1662), Andrea Palladio (1570) e Scamozzi (1615), que contribuíram para a autoridade simbólica e canônica das cinco ordens clássicas. De acordo com Summerson, o grande feito da Renascença não foi a imitação estrita dos edifícios antigos, como seria feito no período neoclássico, mas sim o restabelecimento da gramática da Antiguidade como disciplina universal[4]. No Renascimento do século XV, Leon Battista Alberti descreveu as ordens, a partir de Vitrúvio, com base nas suas próprias observações das ruínas.

Vitrúvio foi um engenheiro militar que participou das campanhas de César, e após seu tempo de serviço, ofereceu o tratado de arquitetura para o primeiro imperador, Augusto, por volta de 35 a 20 a.C. Constitui-se no primeiro tratado conhecido sobre arquitetura, urbanismo, decoração e engenharia, com comentários filosóficos, éticos e morais acerca do universo arquitetônico. Sendo assim, torna-se obrigatório a leitura desse clássico na formação do estudante de arte e de arquitetura.

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Sebastian Le Clerc: Vitrúvio apresentando De Architectura para Augusto, 1684. Xilogravura. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vitr%C3%BAvio. Acesso em: 04 nov. 2016.

Os antigos talvez achassem que um edifício não poderia ser significativo se não houvesse nenhuma ordem. Também é possível que, ao empregarem as ordens, não como mera decoração, elas seriam instrumentos de controle de novos tipos de estruturas e renovação da linguagem. Apesar de serem estruturalmente inúteis, elas garantem a elegância e controlam a composição tornando os edifícios expressivos e imponentes. Sendo assim, foram combinados os elementos da arquitetura religiosa com a arquitetura secular como forma de transferir todo o prestígio e importância.

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Ordens gregas, de Die klassischen Säulenordnungen der Antike Tafel zum Artikel, Baukunst. Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Schema_Saeulenordnungen.jpg. Acesso em: 20 jan, 2017.

É uma prioridade no estudo da história da arte e arquitetura a aquisição de bons dicionários de estilos arquitetônicos, bem ilustrados, para que se estude as ordens, as tipologias, os elementos estruturais e os elementos ornamentais clássicos. Cada ordem clássica possui suas particularidades próprias, e um bom dicionário nos ajuda a reconhecer e nomear seus elementos específicos. Nossas cidades estão repletas desses elementos, a exemplo da arquitetura eclética de fins do século XIX e início do XX.

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Sobreposição de ordens no Coliseu: (1) dórica, (2) jônica, (3) coríntia, (4) pilar compósito (indeterminado). Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

As três ordens gregas fundamentais, para toda a arte e arquitetura subsequente, se baseiam nas ordens dórica, jônica e coríntia. Uma ordem, de forma geral, constitui-se de regras de proporção, elementos e ornamentos padronizados, podendo haver algumas variações esporadicamente. Os romanos acrescentaram duas ordens clássicas às três ordens gregas (dórica, jônica e coríntia): a Toscana e a Compósita. O Coliseu de Roma é um exemplo clássico das sobreposições de ordens que influenciará os tratadistas do futuro, a partir do Renascimento. Como aponta Summerson, é o edifício que exprime, por excelência, o tema dos arcos e ordens combinados, modelo para vários edifícios do Renascimento em diante.

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Sobreposição de ordens no Palazzo Pitti, em Florença, e presença de rusticações. Século XV. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

As ordens são relacionadas ao masculino e ao feminino. Vitrúvio relaciona o dórico ao masculino e o jônico ao feminino. As recomendações do tratadista Serlio são específicas em relação ao uso das ordens[5]. Segundo Serlio, a ordem dórica deve ser usada para as igrejas dos santos mais combativos, como São Pedro e São Jorge. A jônica para santos pacíficos e homens de saber. A ordem coríntia seria para as santas virgens e para a própria Virgem Maria. A ordem toscana seria mais adequada para fortificações e prisões. Sobre a ordem compósita, Serlio não tece comentários especiais. Fora das ordens greco-romanas, outras foram desenvolvidas, como a extravagante ordem francesa de Philibert de l’Orme, por volta de 1567, composta por blocos e tambores separados e ornamentação eclética.

Sob a coluna, temos o embasamento, ou plataforma, que na Grécia era formada do estilóbato, em contato com a base da coluna, e o estereóbato, em contato com o chão, em Roma, pelo podium elevado, tradicionalmente. Os capitéis se unem ao entablamento pelo ábaco, que aparenta ser uma peça separada, mas que era geralmente esculpida na mesma peça do capitel. Já o entablamento compreende a arquitrave, o friso e a cornija, e este também sofre modificações de acordo com a sua ordem.

Segundo Vitrúvio, a provável origem das formas e das ordens derivam da carpintaria, em um tempo em que os templos eram feitos de madeira. Os artificies, no período arcaico grego, passaram a imitar em pedra e mármore os elementos arquitetônicos e estruturais. Os triglifos foram criados a partir da ordenação das vigas, assim como os mútulos sob as cornijas surgem a partir das saliências das asnas, como pingadeiras. Os dentículos da ordem jônica são as extremidades estilizadas em pedra das ripas de madeira dos telhados ancestrais.

Summerson[6] chama a atenção de uma regra rígida para diferentes alternativas no uso das ordens desenvolvidas no período romano. Quando se altera o grau de relevo de uma ordem, como por exemplo, de pilastras para meias-colunas, de meias-colunas para colunas de três quartos e colunas de três quartos para colunas livres, o entablamento deve sofrer a mesma modificação, de forma a se projetar mais. Não se pode variar o relevo das colunas sem se alterar o relevo do entablamento.

O espaço entre as colunas, chamado de intercolúnio, foi especificado pelos romanos através de cinco tipos distintos, descritos por Vitrúvio, medidos em diâmetros de colunas. Vejamos:

Picnóstilo: o espaçamento mais fechado, corresponde a 1½ de diâmetro.

Sistilo: o espaçamento que corresponde a 2 diâmetros.

Êustilo: o espaçamento que corresponde a 2 ¼ diâmetros.

Diástilo: o espaçamento que corresponde a 3 diâmetros.

Araeóstilo: o espaçamento mais largo, corresponde a 4 diâmetros.

Os espaçamentos são importantes pois ditam os ritmos harmônicos dos edifícios, transmitindo ideias de marchas lentas ou rápidas, podendo conferir estabilidade, movimento, elegância e dignidade às fachadas, como uma pauta musical[7]. Existem também as variações dos intercolúnios, que podem ser colunas aos pares, pares espaçados de colunas, colunas dispostas no ritmo estreito-largo-estreito e os citados ritmos de pilastras para meias-colunas, de meias-colunas para colunas de três quartos e colunas de três quartos para colunas livres, como se vê na fachada da Basílica de São Pedro, no Vaticano.

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Fachada da Basílica de São Pedro, Vaticano. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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