Origens míticas e o surgimento da monarquia

Por Marcelo Albuquerque

As origens míticas de Roma são narradas, especialmente, pelo historiador romano Tito Lívio e pelo poeta Virgílio, e constituem uma base fundamental para compreendermos as temáticas artísticas dos romanos até os tempos atuais, principalmente quando se trata dos períodos renascentista, barroco e neoclássico. Segundo a Eneida, de Virgílio, o surgimento da civilização romana está relacionado com o império e a ascendência divina de Augusto, justificando sua divindade e vocação para o poder e à conquista, ligando a cidade de Roma à mítica e sagrada Tróia.

De acordo com a origem mítica, Roma está ligada à Ilíada de Homero e à destruição de Troia pelos gregos. Eneias, um dos heróis troianos, genro do rei Príamo de Troia, filho de Anquises com a deusa Vênus, fugiu para a Península Itálica, levando seu pai e seu filho Ascânio, ainda pequeno, além de um grupo de cidadãos troianos, sem antes percorrer sinuosos caminhos semelhantes à Odisseia de Homero. É recebido pelo rei Latino, descendente do deus Saturno, e se casa com Lavínia, sua filha. Funda a cidade de Lavínio e chama seu povo de latinos. Ascânio funda sua própria cidade, Alba Longa.

Gian Lorenzo Bernini: Eneias fugindo de Troia salvando seu pai Anquise e seu filho Ascânio. Mármore. 1618-1620. Galeria Borghese, Roma. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

400 anos depois, o herdeiro legítimo Numitor é deposto pelo seu irmão mais novo, Amúlio. Amúlio prende Numitor e mata seus filhos homens, e obriga a princesa Reia Silvia a se tornar sacerdotisa vestal, ou seja, é obrigada a fazer votos de castidade. Porém, esta engravida de Marte e gera Rômulo e Remo. Amúlio joga os dois meninos no rio Tibre em um cesto, que atola em uma das margens entre as colinas do Palatino e o do Capitolino, região conhecida como Velabro (local próximo ao Fórum Boário). Uma loba os encontra e os amamenta, sendo protegidos por um pica-pau e por Marte, na Gruta de Lupercal. Fáustulo, um pastor local, os encontra e os cria.

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Loba Capitolina. Bronze. Museus Capitolinos, Roma. Existem dúvidas sobre a origem da Loba Capitolina, porém a tradição a atribui a Vulca de Veios. Rômulo e Remo foram adicionados posteriormente, durante o Renascimento. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Loba Capitolina (detalhe). Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

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Loba Capitolina (detalhe). Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Depois de crescidos, Remo é preso por roubo e conduzido a Alba Longa. Fáustulo então revela a Rômulo a verdade sobre sua origem e este vai salvar o irmão. Rômulo mata Amúlio e devolve o trono a Numitor. Porém, como não teriam espaço em Alba Longa, partem para fundar sua própria cidade, Roma, na colina do Palatino, ou Remoria, na colina do Aventino. Rômulo marcou o espaço sagrado onde seria levantada a muralha de Roma, chamada pomerium, que significa o limite sagrado da cidade de Roma. Ambos os gêmeos se utilizaram da tradição etrusca de auspícios para definir os locais de fundação de suas cidades. Em uma disputa, Remo invade o pomerium, levando Rômulo a mata-lo e todos aqueles que ousassem ultrapassar as fronteiras sagradas de Roma. A fundação mítica de Roma é então estabelecida em 753 a.C., e Rômulo reina como o primeiro rei até 715 a.C.  Durante seu reinado, foi formado o Senado com cem Patres, que darão origem à classe dominante dos patrícios. O povo em geral foi chamado de Plebe. Assim, foram chegando os primeiros habitantes, atraídos pelas novas perspectivas e oportunidades.

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Cavalier D´Arpino (Giuseppe Cesari): O encontro da Loba. Afresco. 1596. Sala Degli Orazi e Curiazi do Palazzo Senatorio, Museus Capitolinos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Os romanos são levados a raptar as mulheres sabinas, do reino vizinho, para que eles obtivessem esposas e gerassem os primeiros descendentes. Rômulo, segundo Tito Lívio, permitiu às mulheres liberdade de escolha, dignidade e propriedades, sem nenhum tipo de abuso sexual. Entretanto, Rômulo rapta Hercília, uma sabida casada. Os sabinos, que se preparavam para a retaliação contra Roma, ocupavam um território que se estendia dos Apeninos até uma aldeia na colina do Quirinal, uma das sete colinas de Roma. Rômulo entra em guerra contra o rei sabino Tito Tácio, e após vencê-lo, acaba unificando os territórios que definiram os primeiros grandes limites da cidade de Roma. As mulheres sabinas, já esposas e mães de jovens romanos, foram fundamentais na pacificação. O tema do Rapto das Sabinas será uma constante dentro da história da arte. Rômulo divide a cidade em trinta cúrias e três tribos.

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Pietro da Cortona. O Rapto das Sabinas, 1627-29. Museus Capitolinos. Foto: Marcelo Albuquerque, 2015.

Existem duas versões sobre a morte de Rômulo: a primeira é que teria sido tragado por Marte em uma tempestade, ou atingido por um raio, sendo transformado no deus Quirino. A segunda foi que teria sido morto pelo Senado. Após Rômulo, Roma foi governada por mais seis reis: Numa Pompílio, Tulio Hostílio, Ancus Márcio, Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio e Tarquínio Soberbo. Sabe-se que os últimos três reis eram etruscos. Sob os reis, as classes forma divididas entre patrícios e plebeus.

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Jacques-Louis David. A intervenção das Sabinas, 1779. Óleo sobre tela, 385 cm x 522 cm. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rapto_das_Sabinas. Acesso em: 04 nov. 2016.

A famosa história da luta entre os Horácios e os Curiácios, retratada por David, em 1784, às vésperas da Revolução Francesa, diz respeito à conquista e derrota de Alba Longa pelos romanos, durante o reinado de Tulio Hostílio.  O pretexto da guerra foi o roubo de gado romano por parte do povo albano. Quando os exércitos se alinharam no campo de batalha, Mércio Fufécio, líder de Alba Longa, propôs uma saída pacífica para que ambas as cidades não saíssem enfraquecidas e animassem os demais rivais vizinhos, os etruscos.  Eles decidiram enviar campeões de ambos os lados, conforme as antigas tradições, para lutarem entre si e decidirem o destino de todos. Foram escolhidos os irmãos trigêmeos de ambos os lados; os Horácios, de Roma, e os Curiácios, de Alba Longa. Dois Horácios pereceram, e o terceiro conseguiu fugir. Ao perseguir o último Horácio, este consegui matar um dos Curiácios, já que os outros dois estavam impossibilitados de o perseguir devido aos ferimentos. O Horácio retorna e termina com a vida dos Curiácios. Porém, uma irmã Horácia foi prometida em casamento a um dos Curiácios, e ao vê-la em prantos, o guerreiro Horácio mata sua própria irmã, cego de ódio. De herói, passa a criminoso, sendo condenado à morte por açoitamento. Por fim, este consegue o perdão do povo e sobrevive. Alba Longa é destruída e seu povo é exilado. A pintura de David, ícone do movimento neoclássico, apresenta o momento do juramento dos irmãos Horácios diante do pai, Públio Horácio, que juram lealdade à pátria em detrimento de suas próprias vidas e felicidade, em um tom solene e espartano. A tristeza, a desgraça e a orfandade se fazem presentes nas figuras femininas, que lamentam a eminente morte dos esposos ou de sua própria família.

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Marcelo Albuquerque

Pintor, desenhista, professor e escritor. Professor assistente da UC Expressão Visual, UC Estudos Críticos: história, arte e cultura, História da Arte, Arquitetura e Urbanismo, Teoria e História do Design, Desenho de Observação, Plástica e Patrimônio Cultural no Centro Universitário UNA, na graduação de Arquitetura e Urbanismo, Design Gráfico, Design de Moda e no curso tecnólogo de Design de Interiores. Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes - UFMG. Especialista em História da Arte pela PUC MG. Especialista em Ensino e Aprendizagem na Educação Superior. Bacharel em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFMG. Possui em seu currículo mais de 40 exposições artísticas e 3 livros publicados. É autor do website Arte e Cultura, disponível em: arteculturas.com e do website, disponível em: artealbuquerque.com.

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